24 junho 2008

Estes dias que passam 114


Na noite de S João era previsto escrever sobre coisas mais leves, com um ligeiro toque licencioso até, um dia não são dias e o toque erótico está na moda, aliás esteve sempre, não vale a pena fingir que somos todos gente muito séria, a malandrice vem ao de cima e ainda bem, que seria deste mundo se não lhe déssemos com um toque de sem-vergonhice, da boa, da verdadeira, da Bayer, ou seja umas mamas a apontar para o infinito, uma mão pronta a saltar do infinito para o finito, isto é para a mama que estiver mais perto, que mais vale um pássaro na mão que dois seios a voar, não sei se me estão a seguir...
Só que Deus dispõe e um filho da puta qualquer põe a pata na escrita divina e borra a pintura. No caso o filho da puta é preto, preto retinto, um filho da puta preto, que também os há em quantidade não negligenciável. Este chama-se Mugabe e não deixa os seus créditos por mãos alheias. O homem terá sido vagamente combatente pela liberdade, ou seja, mandava uns desgraçados chatear o Ian Smith no tempo em que aquilo se chamava Rodésia do Sul, e quando os portugas arrearam a coisa tornou-se canja. A África do Sul sozinha, com o seu apartheid a romper pelas costuras já não dava hipótese aos rapazes de Ian Smith e foi assim que nasceu o Zimbabue. Desculpem a brevidade do resumo histórico mas creiam-me que a coisa foi mais ou menos assim. A África austral branca só tinha significado toda junta, sobretudo se tivesse ao lado um protectorado chamado Malawi governado por um cavalheiro “responsável” que só queria enriquecer-se e não ter chatices. A chatice foi que o 25 de Abril atirou de pantanas com Moçambique e Angola muito mais cedo do que se esperava e isso pôs em cheque os boers e por maioria de razão os 300.000 brancos da Rodésia.
Estes cavalheiros que punham e dispunham naquele território tinham criado uma forte economia agrária, baseada em culturas de exportação, grandes propriedades rigorosamente organizadas, enfim a coisa mais parecida com capitalismo que um “domínio” de Sua Graciosa Majestade Britânica poderia ter nesses anos de colonialismo puro e duro.
A tomada de poder por Mugabe fez-se por acordo, conservando os brancos o controle da quintas-empresas. E durante anos o sistema pareceu funcionar. As exportações agrícolas davam solidez à economia zimbabuana e havia mesmo um simulacro de democracia.
Subitamente tudo mudou. Os brancos foram expulsos, as “farms” foram ocupadas, as terras divididas, as exportações desapareceram e a pobre agricultura de subsistência que as substituiu não consegue sequer alimentar as multidões ocupantes. Ou seja: no século XXI os meios e os modos de produção não podem ser os do século XIX.
Junte-se a isto uma outra maldição. Na maioria dos novos países africanos instaurou-se o (mau) hábito do partido único. Partido único, significa utentes únicos das prebendas estatais. O mesmo é dizer que há fora desse círculo uma pequena multidão que se constitui em oposição por todas as razões possíveis, desde o patriotismo até á mais descarada ambição. Mas partido único significa também que todo e qualquer gesto político exterior pode ser considerado um acto de traição (como os últimos acontecimentos e as acusações recentes ilustram veementemente). E os traidores não podem ganhar eleições. E se, acaso, as ganham, perdem-nas logo a seguir por meios variados, violentos de preferência.
E é isso que ocorre desde há bastante tempo no Zimbabué. Demasiado tempo. Hoje soube-se que Morgan Tsvangirai, o chefe da oposição no Zimbabue está refugiado numa embaixada, que dezenas de adeptos seus foram já mortos pelas milícias do partido único. Centenas de militantes oposicionistas estão, neste momento, refugiados na sede da candidatura e correm risco de morte.
Entretanto, Mugabe que já avisara que nada nem ninguém o derrotaria, continua a ter activos apoios em África e foi, como se lembrarão, recebido em Lisboa com honras de Chefe de Estado apesar de lhe estar vedada a entrada na União Europeia.
A vaidade estúpida de fazer uma cimeira inútil foi mais forte do que o sentido ético. O sangue que depois disso se continuou a derramar no Zimbabue salpica indelevelmente os organizadores da cimeira que aliás foram avisados e viram vários políticos europeus boicotarem a reunião justamente porque esta estava inquinada pela presença de Mugabe.
E isto, esta burrice e esta falta de sentido de Estado não se apaga com as orvalhadas de S João. Nem se lava com a chuva miudinha que neste instante cai.
As brejeirices amáveis ficam para a próxima crónica...

2 comentários:

septuagenário disse...

Na Africa negra não há partido politicos, embora a única maneira de os europeus definirem aquilo seja partidos. Mas na realidade aqueles partidos são tribos.
Pode vagamente dizer-se que no caso das colonias portuguesas alguns partidos devido à mestiçagem neles inserida durante a guerra contra portugal, não se possa considerar tão tribais.
E é esse tribalismo que provoca as mortandades a que se assiste de vez em quando.
Só que nós os europeus, não temo moral para meter o bico porque fomos nós que criamos esses paises à nossa imagem e semelhança.

M.C.R. disse...

Suponho que não tem razão. no caso do Zimbabue (e em vários outros noutros países)há partidos. Ou melhor dizendo, ha partidos que tiveram originalmente (é o caso da ZANU) a forma de frentes comuns. E que uma vez obtida a independencia se tornaram ou quiseram tornar-se partidos únicos. algumas vezes conseguiram-no, como o caso em apreço.
O fenómeno do tribalismo por vezes acomoda-se ao esquema partidário mas tenho a percepção que está em grave queda. aquilo que parecia impossível há anos - a ultrapassagem do tribalismo - está a ocorrer porque a independencia concentrou nas grandes cidades gente vinda de todo o lado e que por isso mesmo foi perdendo, ou está a perder o laço tribal. As guerras civis, as matanças, a deslocação de refugiados (no Zimbabue já são cinco milhões!!!) destroça também esses vínculos tribais.
claro que em muito outro lado ainda existem mas genéricamente parece que está a perder importância. Mesmo quando reaparece (e o Kénia foi um recente exemplo) já não é um fenómeno puro e (só tribalismo) e generalizado. Nas cidades o tribalismo tende a esbater-se muito mais depressa do que há 30 ou 40 anos se previa.

Tenho a ideia de que os portugueses, devido á administração directa que exerceram, ao pouco caso que fizeram das autoridades tradicionais (sobas e régulos) à política assimilacionista (apesar de todas as suas limitações) terão contribuído pouco para fortalecer os laços tribais. Nem Savimbi, nem a Renamo conseguiram expressar esse tribalismo que, p.e., se evidenciou no Ruanda ou no Burundi, ou que originou o Biafra.