A manipulação do sucesso,
do direito ao mesmo
e as consequências que se adivinham
Uma criatura que exerce o cargo de dirigente de uma DRE e que já se tornara famosa há um par de meses por levantar um processo a um dos colaboradores que alegadamente teria, em conversa particular, insultado o Primeiro Ministro, decidiu, após o conveniente período de nojo, mostrar de novo as pérolas do seu pensamento.
Proclamou (cfr. “Público” de 28 de Junho pp) que os “alunos têm direito ao sucesso” e que para que se cumpra tão luminoso desiderato deverão ser classificados por professores que não se distingam nem pela excessiva exigência nem pela igualmente excessiva permissividade.
Disse mais um par de coisas que poderão ser utilmente consultadas na mesma edição do citado jornal.
Vamos lá a ver se nos entendemos: os alunos não têm qualquer espécie de direito ao sucesso. Têm, isso sim, direito a um ensino responsável, digno e não excluidor. Depois disso, caso façam o que têm a fazer, isto é caso estudem, têm direito a ser avaliados pelo seu trabalho por avaliadores competentes e conhecedores do programa que lhes foi ministrado. E bonda.
Proclamar o “direito ao sucesso”, coisa muito na linha do que se vai ouvindo por aí fora, numa onde de publicidade para imbecis e mentecaptos, não quer dizer coisa alguma, ou pior, quererá dizer que o sucesso está ali mesmo, ao virar da esquina, não é preciso fazer nada, que ele está à nossa espera num Ferrari que conduziremos (mesmo sem carta) a caminho de umas ilhas paradisíacas onde o leite e mel (ou melhor o champagne e o caviar) escorrem directamente da árvore das patacas para os beiços mal lavados do consumidor ad-hoc.
Claro que esta declaração grotesca não é inocente. Ou não parece inocente. Ela visa cobrir a inaudita aventura das “provas nacionais” que todos os especialistas (ou pelo menos os que se podem arrogar desse título) consideraram inacreditavelmente fáceis. Aliás basta considerar (“Público”, edição referida, pagina 5) o quadro onde se comparam perguntas de aferição de Matemática do 4º ano de 2007 e do 6º ano em 2008.
Diga-se para já que em ambos os casos a pergunta é indigna. Uma criança de dez anos merece que lhe respeitem a inteligência e não lhe façam perguntas tontas e demasiado fáceis.
Mas aqui a coisa é ainda pior: Se a pergunta é fácil para o tal 4º ano (de 2007) é facílima para o 6º ano de 2008!!!
A pergunta que imediatamente ocorre é esta: a que título esta balda? Será porque os resultados ao longo dos anos têm sido miseráveis e nos colocam no fim do fim? E que é preciso, em ano pré-eleitoral, marcado por ásperas campanhas sobre a qualidade do ensino, provar que a excelsa figurinha que preside aos destinos da Educação obtém resultados estatísticos fiáveis que indiciem sucesso (o tal sucesso a que não só os alunos teriam direito mas também a Senhora Ministra e a coorte de responsáveis do eduquês que tragicamente se abateu sobre as cabeças das criancinhas portuguesas)?
De há tempos a esta parte, há a sensação difusa de que “eles” (os governantes) não sabem às quantas isto anda. “Eles” só ouvem o que querem, quando querem, e desde que seja música celestial para as suas orelhinhas. Para isso há uns escribas (até no Público) vindos dos cafundós do salazarismo e do estalinismo (les beaux esprits se rencontrent) que lhes sussurram que tout va bien madame la contesse.
De vitória em vitória até à derrota final!
"Eles" só ouvem o que servilmente lhes dizem uns responsáveis regionais, locais, uns assessores recrutados no aparelho e pinguemente pagos para não fazer nada, uns militantes que confundem o interesse nacional com o interesse próprio, enfim o pior do que se pode assacar à democracia, coisa demasiado nobre e demasiado vulnerável para ser usada por esta gente.
As famosas reformas, o famoso rigor, as famosas medidas lançadas sob um acompanhamento de acusações vagas e indiferenciadas a grupos inteiros (magistrados, professores, funcionários, agricultores etc, etc...) têm sido escamoteadas sob uma avalancha de promessas, de tgv, de aeroportos, de obras e inaugurações duvidosas que não resistem ao efeito combinado da alta do preço do petróleo (ora aí está uma bela desculpa) e da derrota da selecção de nós todos. Num momento, vai tudo pelo cano, os jornais anunciam que a bolsa de Lisboa teve um deliquio, que o investimento baixa, que a auto-confiança dos cidadãos se afunda.
Mas quereriam realmente outra coisa, estes apóstolos do sucesso, da facilidade, da manipulação estatística (porque obter resultados à pala da borla não é outra coisa senão isso)?
Pensaram porventura que, no futuro próximo, estas crianças contrabandeadas da ignorância para o quadro de honra, terão acesso às grandes escolas, ao grande ensino e aos grandes empregos?
Tenho uma sobrinha que fez com brio e trabalho o seu curso secundário numa escola particular onde a balda não tinha lugar porque felizmente as ordens ministeriais, as instruções dos GAVES e quejandos não têm eficácia. Foi assim que pode inscrever-se numa grande e prestigiada universidade inglesa que consta em todos os rankings mundiais. Ela sabe que uma vez concluído o curso difícil e trabalhoso que escolheu terá possibilidades acrescidas de emprego, de um bom emprego, de um emprego interessante e não falo só do aspecto económico.
As vítimas do novo sistema de sucesso terão em contrapartida, se tiverem essa sorte, um lugarzinho num balcão medíocre, a vender produtos medíocres, um destino incerto e um modo “funcionário de viver” como dizia Manuel da Fonseca, um autor que provavelmente não soará aos ouvidos delicados dos responsáveis da educação.
Escrevo este texto diante duma televisão exuberante que transmite a chegada apoteótica da selecção de futebol espanhola a Madrid. Ora aí está uma lição de trabalho e exigência. De dignidade e humildade. De recusa de facilitismos, Aragonés que o diga. E se alguma coisa poderia propor ao ver esta festa vermelha e dourada é que este cavalheiro de 69 anos (44 jogos de selecção quarenta vitórias) seja contratado para Ministro da Educação de Portugal (pior não faria e é muito provável, quase certo, aposto dobrado contra singelo, que faria melhor, muito melhor).
Com ele o sucesso não é um direito, é um objectivo que só se alcança com trabalho, trabalho e mais trabalho. O céu como dizia, num romance pungente e admirável, Richard Kaufmann, não paga dividendos. Será que os da Educação percebem isto ou é preciso fazer-lhes um desenho?
Para o ano as provas de Matemática do 12º repetirão as do 6º deste ano, vai uma aposta. E as notas excelentes tombarão da cornucópia ministerial como os pardaus que corriam, é o que afirmava Sá de Miranda, por Terras de Basto.
* Na gravura: a gatinha Ingrid Bergman de Andrade tenta resolver o seguinte problema: uma gata está deitada numa caixa de canetas. A caixa está sobre a estante do corredor dos quartos. Quantos objectos estão debaixo da gata? Proposta de pergunta para o exame nacional de matemática do 9º ano.
do direito ao mesmo
e as consequências que se adivinham
Uma criatura que exerce o cargo de dirigente de uma DRE e que já se tornara famosa há um par de meses por levantar um processo a um dos colaboradores que alegadamente teria, em conversa particular, insultado o Primeiro Ministro, decidiu, após o conveniente período de nojo, mostrar de novo as pérolas do seu pensamento.
Proclamou (cfr. “Público” de 28 de Junho pp) que os “alunos têm direito ao sucesso” e que para que se cumpra tão luminoso desiderato deverão ser classificados por professores que não se distingam nem pela excessiva exigência nem pela igualmente excessiva permissividade.
Disse mais um par de coisas que poderão ser utilmente consultadas na mesma edição do citado jornal.
Vamos lá a ver se nos entendemos: os alunos não têm qualquer espécie de direito ao sucesso. Têm, isso sim, direito a um ensino responsável, digno e não excluidor. Depois disso, caso façam o que têm a fazer, isto é caso estudem, têm direito a ser avaliados pelo seu trabalho por avaliadores competentes e conhecedores do programa que lhes foi ministrado. E bonda.
Proclamar o “direito ao sucesso”, coisa muito na linha do que se vai ouvindo por aí fora, numa onde de publicidade para imbecis e mentecaptos, não quer dizer coisa alguma, ou pior, quererá dizer que o sucesso está ali mesmo, ao virar da esquina, não é preciso fazer nada, que ele está à nossa espera num Ferrari que conduziremos (mesmo sem carta) a caminho de umas ilhas paradisíacas onde o leite e mel (ou melhor o champagne e o caviar) escorrem directamente da árvore das patacas para os beiços mal lavados do consumidor ad-hoc.
Claro que esta declaração grotesca não é inocente. Ou não parece inocente. Ela visa cobrir a inaudita aventura das “provas nacionais” que todos os especialistas (ou pelo menos os que se podem arrogar desse título) consideraram inacreditavelmente fáceis. Aliás basta considerar (“Público”, edição referida, pagina 5) o quadro onde se comparam perguntas de aferição de Matemática do 4º ano de 2007 e do 6º ano em 2008.
Diga-se para já que em ambos os casos a pergunta é indigna. Uma criança de dez anos merece que lhe respeitem a inteligência e não lhe façam perguntas tontas e demasiado fáceis.
Mas aqui a coisa é ainda pior: Se a pergunta é fácil para o tal 4º ano (de 2007) é facílima para o 6º ano de 2008!!!
A pergunta que imediatamente ocorre é esta: a que título esta balda? Será porque os resultados ao longo dos anos têm sido miseráveis e nos colocam no fim do fim? E que é preciso, em ano pré-eleitoral, marcado por ásperas campanhas sobre a qualidade do ensino, provar que a excelsa figurinha que preside aos destinos da Educação obtém resultados estatísticos fiáveis que indiciem sucesso (o tal sucesso a que não só os alunos teriam direito mas também a Senhora Ministra e a coorte de responsáveis do eduquês que tragicamente se abateu sobre as cabeças das criancinhas portuguesas)?
De há tempos a esta parte, há a sensação difusa de que “eles” (os governantes) não sabem às quantas isto anda. “Eles” só ouvem o que querem, quando querem, e desde que seja música celestial para as suas orelhinhas. Para isso há uns escribas (até no Público) vindos dos cafundós do salazarismo e do estalinismo (les beaux esprits se rencontrent) que lhes sussurram que tout va bien madame la contesse.
De vitória em vitória até à derrota final!
"Eles" só ouvem o que servilmente lhes dizem uns responsáveis regionais, locais, uns assessores recrutados no aparelho e pinguemente pagos para não fazer nada, uns militantes que confundem o interesse nacional com o interesse próprio, enfim o pior do que se pode assacar à democracia, coisa demasiado nobre e demasiado vulnerável para ser usada por esta gente.
As famosas reformas, o famoso rigor, as famosas medidas lançadas sob um acompanhamento de acusações vagas e indiferenciadas a grupos inteiros (magistrados, professores, funcionários, agricultores etc, etc...) têm sido escamoteadas sob uma avalancha de promessas, de tgv, de aeroportos, de obras e inaugurações duvidosas que não resistem ao efeito combinado da alta do preço do petróleo (ora aí está uma bela desculpa) e da derrota da selecção de nós todos. Num momento, vai tudo pelo cano, os jornais anunciam que a bolsa de Lisboa teve um deliquio, que o investimento baixa, que a auto-confiança dos cidadãos se afunda.
Mas quereriam realmente outra coisa, estes apóstolos do sucesso, da facilidade, da manipulação estatística (porque obter resultados à pala da borla não é outra coisa senão isso)?
Pensaram porventura que, no futuro próximo, estas crianças contrabandeadas da ignorância para o quadro de honra, terão acesso às grandes escolas, ao grande ensino e aos grandes empregos?
Tenho uma sobrinha que fez com brio e trabalho o seu curso secundário numa escola particular onde a balda não tinha lugar porque felizmente as ordens ministeriais, as instruções dos GAVES e quejandos não têm eficácia. Foi assim que pode inscrever-se numa grande e prestigiada universidade inglesa que consta em todos os rankings mundiais. Ela sabe que uma vez concluído o curso difícil e trabalhoso que escolheu terá possibilidades acrescidas de emprego, de um bom emprego, de um emprego interessante e não falo só do aspecto económico.
As vítimas do novo sistema de sucesso terão em contrapartida, se tiverem essa sorte, um lugarzinho num balcão medíocre, a vender produtos medíocres, um destino incerto e um modo “funcionário de viver” como dizia Manuel da Fonseca, um autor que provavelmente não soará aos ouvidos delicados dos responsáveis da educação.
Escrevo este texto diante duma televisão exuberante que transmite a chegada apoteótica da selecção de futebol espanhola a Madrid. Ora aí está uma lição de trabalho e exigência. De dignidade e humildade. De recusa de facilitismos, Aragonés que o diga. E se alguma coisa poderia propor ao ver esta festa vermelha e dourada é que este cavalheiro de 69 anos (44 jogos de selecção quarenta vitórias) seja contratado para Ministro da Educação de Portugal (pior não faria e é muito provável, quase certo, aposto dobrado contra singelo, que faria melhor, muito melhor).
Com ele o sucesso não é um direito, é um objectivo que só se alcança com trabalho, trabalho e mais trabalho. O céu como dizia, num romance pungente e admirável, Richard Kaufmann, não paga dividendos. Será que os da Educação percebem isto ou é preciso fazer-lhes um desenho?
Para o ano as provas de Matemática do 12º repetirão as do 6º deste ano, vai uma aposta. E as notas excelentes tombarão da cornucópia ministerial como os pardaus que corriam, é o que afirmava Sá de Miranda, por Terras de Basto.
* Na gravura: a gatinha Ingrid Bergman de Andrade tenta resolver o seguinte problema: uma gata está deitada numa caixa de canetas. A caixa está sobre a estante do corredor dos quartos. Quantos objectos estão debaixo da gata? Proposta de pergunta para o exame nacional de matemática do 9º ano.
2 comentários:
Topo ali os Le Carrés todos...humm.
Tinker, Tailor, Soldier, Spy.
absolutamente!
E 100 Salgaris, o Verne quase completo, e a fina flor do policial: Dashiel Hammett, Chandler, Camillerie muitos outros...
já agora: bela vista!
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