Eu não vou a touradas. Não gosto, nunca gostei, nunca senti essas febres exaltadas que assaltam a afición. Nem o Lorca me convenceu pesem embora os seus poemas poderosos, essa linguagem surrealizante, essa música tão peninsular.
Todavia, nunca alinhei nas campanhas dos amigos, amiguinhas e amigalhaços dos animais. Creio que este género de campanhas tão politicamente correctas acabam sempre por ser contraproducentes até porque, as mais das vezes, revelam uma completa ignorância do sentir profundo das populações que se revêem nas touradas. E aliás nunca vi, além das consabidas acusações de barbaridade, que se discutisse com um mínimo de eficácia as virtudes e defeitos da tauromaquia. Também não me comovo com toureiros, andaluzas de peineta, pegadores de toiros, campinos e demais tribos do “olé, olé”. Nem o Hemingway, nem a Ava Gardner vestida de toureirinha, nem a garotada dos sanfermines me fazem mudar de opinião. Touro, para mim, é bife mas prefiro peixe.
Nos tempos em que se discutia furiosamente Barrancos e os seus tristes toiros de morte, achei desmedido o recurso aos tribunais para evitar a tal corrida. Pensava, e creio que com algum fundamento, que conceder a um senhor juiz por mais meritíssimo que fosse, o direito de lá de longe chatear os barranquenhos só tinha um efeito: acirrar os adeptos (o que aconteceu) e dar azo a que o Estado democrático se visse envergonhado. A meia dúzia de agentes da GNR de Barrancos não podia de facto impedir a estocada de morte e se fossem mobilizados meios suficientes poderia acontecer que uma proibição desastrada acabasse num banho de sangue e tiros.
Como de costume, a opção foi a de abrir uma excepção: em Barrancos pode matar-se o toiro. O que é, convenhamos, uma solução fácil, própria de um Estado que não está para se chatear e prefere lavar as mãos. Em pouca e fraca água...
Como consequência, a festa barranquenha voltou a ser o que sempre fora, um espúrio regionalismo, pobrete e pouco alegrete, como convém a terras longínquas e abandonadas. Dois toureiros de terceira e um par de toiros de ganadaria manhosa dão o litro numa arena improvisada, cercada de barrotes onde se apinha uma pequena multidão local e meia dúzia de típicos vindos de fora. Toda esta boa gente blasona coragem mas, de facto, é só o toureiro que arrisca o pelo. E o toiro, claro, que deixa lá o dele. Como espectáculo, convenhamos que é pífio.
No entanto a querida televisão que temos, todos os anos pela mesma época (esta) solta um alarido marialva e dá notícias de Barrancos. Se fizessem o mesmo a propósito do porco preto e dos enchidos da região, aquilo tinha mais saída do que o leitão da Bairrada. Mas não: falam da toirada, do desafio ao Estado, das escassas virtudes dos espectadores de bancada (que aliás são corajosos: é preciso muita audácia para uma pessoa se instalar naqueles barrotes incertos e mal pregados. Qualquer dia, aquilo vem abaixo e é uma sangueira...) e dos toiros de “morte”. Falam do espectáculo, como se uma estocada no cachaço do animal fosse a quinta-essência da esgrima olímpica.
Barrancos é infelizmente uma metáfora do país que temos, da Nação que somos, do povo a que pertencemos.
Vem isto a propósito (ou não) da discussão que assola este fim da silly season: a insegurança e os meios adequados para a combater. Mais polícias? Mais leis? Mais prisão preventiva? Juízes mais duros? Uma tourada!
No meio desta alegre garraiada à portuguesa antiga, eleva-se, heróico e justiceiro, o dr Paulo Portas. Estava para ir à América dar umas explicações ao John Mc Cain sobre como ganhar eleições. Parece que o candidato republicano o esperava como o moribundo espera pelos santos óleos: com o coração na boca e a esperança num milagre.
Mas Portas, homem responsável, pode não ir. É que a situação da segurança é tão grave que ele prefere ficar por cá. Para o que der e vier. Provavelmente, neste momento, já terá ido oferecer os seus imensos préstimos militares e policiais, à esquadra mais próxima. Com ele a gatunagem está feita. Portas, mesmo sozinho, ou com as hostes do CDS (e é quase o mesmo...) vai fazer mais que os CSI da televisão: os malfeitores que se cuidem. E Sócrates que não se descuide: com Portas na rua a eliminar o crime, de pouco lhe servirá o inglês técnico laboriosamente aprendido nos seus tempos de universidade.
Ai Portugal é mesmo um torrãozinho de açúcar*, não é?
* frase pilhada a Eça de Queiroz.
Todavia, nunca alinhei nas campanhas dos amigos, amiguinhas e amigalhaços dos animais. Creio que este género de campanhas tão politicamente correctas acabam sempre por ser contraproducentes até porque, as mais das vezes, revelam uma completa ignorância do sentir profundo das populações que se revêem nas touradas. E aliás nunca vi, além das consabidas acusações de barbaridade, que se discutisse com um mínimo de eficácia as virtudes e defeitos da tauromaquia. Também não me comovo com toureiros, andaluzas de peineta, pegadores de toiros, campinos e demais tribos do “olé, olé”. Nem o Hemingway, nem a Ava Gardner vestida de toureirinha, nem a garotada dos sanfermines me fazem mudar de opinião. Touro, para mim, é bife mas prefiro peixe.
Nos tempos em que se discutia furiosamente Barrancos e os seus tristes toiros de morte, achei desmedido o recurso aos tribunais para evitar a tal corrida. Pensava, e creio que com algum fundamento, que conceder a um senhor juiz por mais meritíssimo que fosse, o direito de lá de longe chatear os barranquenhos só tinha um efeito: acirrar os adeptos (o que aconteceu) e dar azo a que o Estado democrático se visse envergonhado. A meia dúzia de agentes da GNR de Barrancos não podia de facto impedir a estocada de morte e se fossem mobilizados meios suficientes poderia acontecer que uma proibição desastrada acabasse num banho de sangue e tiros.
Como de costume, a opção foi a de abrir uma excepção: em Barrancos pode matar-se o toiro. O que é, convenhamos, uma solução fácil, própria de um Estado que não está para se chatear e prefere lavar as mãos. Em pouca e fraca água...
Como consequência, a festa barranquenha voltou a ser o que sempre fora, um espúrio regionalismo, pobrete e pouco alegrete, como convém a terras longínquas e abandonadas. Dois toureiros de terceira e um par de toiros de ganadaria manhosa dão o litro numa arena improvisada, cercada de barrotes onde se apinha uma pequena multidão local e meia dúzia de típicos vindos de fora. Toda esta boa gente blasona coragem mas, de facto, é só o toureiro que arrisca o pelo. E o toiro, claro, que deixa lá o dele. Como espectáculo, convenhamos que é pífio.
No entanto a querida televisão que temos, todos os anos pela mesma época (esta) solta um alarido marialva e dá notícias de Barrancos. Se fizessem o mesmo a propósito do porco preto e dos enchidos da região, aquilo tinha mais saída do que o leitão da Bairrada. Mas não: falam da toirada, do desafio ao Estado, das escassas virtudes dos espectadores de bancada (que aliás são corajosos: é preciso muita audácia para uma pessoa se instalar naqueles barrotes incertos e mal pregados. Qualquer dia, aquilo vem abaixo e é uma sangueira...) e dos toiros de “morte”. Falam do espectáculo, como se uma estocada no cachaço do animal fosse a quinta-essência da esgrima olímpica.
Barrancos é infelizmente uma metáfora do país que temos, da Nação que somos, do povo a que pertencemos.
Vem isto a propósito (ou não) da discussão que assola este fim da silly season: a insegurança e os meios adequados para a combater. Mais polícias? Mais leis? Mais prisão preventiva? Juízes mais duros? Uma tourada!
No meio desta alegre garraiada à portuguesa antiga, eleva-se, heróico e justiceiro, o dr Paulo Portas. Estava para ir à América dar umas explicações ao John Mc Cain sobre como ganhar eleições. Parece que o candidato republicano o esperava como o moribundo espera pelos santos óleos: com o coração na boca e a esperança num milagre.
Mas Portas, homem responsável, pode não ir. É que a situação da segurança é tão grave que ele prefere ficar por cá. Para o que der e vier. Provavelmente, neste momento, já terá ido oferecer os seus imensos préstimos militares e policiais, à esquadra mais próxima. Com ele a gatunagem está feita. Portas, mesmo sozinho, ou com as hostes do CDS (e é quase o mesmo...) vai fazer mais que os CSI da televisão: os malfeitores que se cuidem. E Sócrates que não se descuide: com Portas na rua a eliminar o crime, de pouco lhe servirá o inglês técnico laboriosamente aprendido nos seus tempos de universidade.
Ai Portugal é mesmo um torrãozinho de açúcar*, não é?
* frase pilhada a Eça de Queiroz.
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