21 agosto 2008

Estes dias que passam 122

Apostila a “os jogos...”


Não sou muito de respostas que saiam da zona de comentários ao post inicial. Desta vez, todavia, recebi alguns recados de sinal diferente e pareceu-me útil escrever aqui o que penso de três coisas: o ouro de Nelson Évora e a prata de Vanessa, as bolsas dos desportistas olímpicos e a minha própria afirmação que não há cá competição suficiente, tecnologia suficiente e cultura desportiva suficiente.
Vibrei como todo e qualquer compatriota com as vitórias dos dois medalhados. É bom saber que o esforço deles (e não do país, ou dos portugueses no seu conjunto) foi recompensado. Treinaram e sofreram para isso. Isolados, desconhecidos da grande maioria que só se lembra deles quando a olimpíada já rola, que se enfurece com as “sumptuosas” bolsas (mil a mil e quinhentos euros!!!) que eles recebem, estes dois atletas merecem uma outra medalha a da solidão.
Um dos meus leitores, apontava-me o facto de Nelson, Naíde, Vanessa e Obikwelu serem atletas que sempre tiveram competidores à altura. Têm uma longa história de triunfos em campeonatos do mundo, da Europa, em “meetings” internacionais.
É verdade. Tiveram essa sorte. Sorte construída com sacrifício e muito, muito treino. Só que uma andorinha (ou quatro) não fazem a primavera. E a delegação portuguesa contava com umas larguíssimas dezenas de atletas e é desses que falo. Dos que, igualmente isolados cá, se vêem em palpos de aranha para praticar um desporto que não seja o futebol, fado – triste fado – nosso. Que penosamente conseguiram os mínimos. Que sonharam em participar, em aprender ao lado dos seus (cá) ignorados ídolos.
Alguns desses atletas receberam as famosas bolsas. Parece que alguém terá pensado que umas centenas de euros teriam de ter um retorno em medalhas como se Pekin fosse um casino onda basta apostar num número para sair um pleno. Nada mais estúpido, mais errado e mais canalha. As bolsas, na verdade baixíssimas, nem sequer dão para treinar a tempo inteiro. Um comentador do Público dizia hoje que as bolsas dos nossos olímpicos são inferiores ao ordenado da grande maioria dos jogadores de futebol da divisão de honra, isto é da segunda divisão. Está tudo dito. Uma última palavra sobre a recepção do fenómeno desportivo entre nós.
Há quase um ano escrevi por aqui sobre uma das minhas manias, para não usar a palavra paixão: o rugby. E celebrei as pequeníssimas derrotas e as imensas vitórias da selecção portuguesa, presente pela primeira vez num campeonato do mundo. Porque aquele punhado de amadores e semi-amadores entravam em campo com uma alegria, um aplomb, uma serenidade incomparáveis. E cantavam o hino com uma gana que nunca vi a futebolistas. Estavam ali pela primeira vez ao fim de anos de trabalho, de amor à camisola, de desconfiança pública (a televisão portuguesa nem sequer julgou útil transmitir os jogos da nossa selecção!!!), de entusiasmo.
E ninguém, enfim quase ninguém, protestou. Nem os jornais, nem os desportistas de bancada, nem a politicagem, sequer a criatura dos desportos.
Chama-se a isto cultura desportiva portuguesa. A mesma que ignora o atletismo, o volley, o andebol, a luta greco-romana ou a ginástica. Ou que só se lembra destas modalidades quando sucede um bambúrrio. Assim não se vai lá. Nunca se irá lá.

Uma palavra final sobre as “falhas” de Naide e Obikwelu. Façam o favor de olhar para o quadro dos premiados. Ao lado deles mas sem medalha há um cento dois, ou três, de atletas de altíssima craveira que não ganharam. Que falharam uma partida, que não conseguiram, como hoje, passar o testemunho numa “4 por 100 femininos”, como sucedeu com as atletas americanas. Estas coisas sucedem todos os dias em todas as competições. Naide já se recuperou o suficiente para afirmar que tenciona continuar. Obikwelu arrumou as botas. Todavia deu a este país, que ele escolheu, muitas vitórias e muitas alegrias, pelo menos aos poucos que o viram e o admiraram.

2 comentários:

Luís Bonifácio disse...

O problema não é a falta de resultados.

Aliás na primeira semana ninguém estava particularmente indignado com os resultados.

O problema foi quando certos atletas começaram a dar explicações estúpidas sobre os seus fracassos.

Há que ser sincero, mas o atleta da "caminha", a tipa que até detesta competições, aquela que foi lá para fazer turismo, mereciam que pura e simplesmente tivesse que devolver todo o dinheiro que receberam.

Ninguém em Portugal estava à espera de uma chuva de medalhas, pois perdida, perdida, foi a da Naíde e mais nenhuma.

Agora ninguém gosta de ser chamado de estúpido.

M.C.R. disse...

Não são só os atletas que dão explicações estúpidas: alguém (no Público) pôs na boca de João Ganso, treinador de Nélson Évora a expressão DELAPIDAR UM DIAMANTE. das duas uma ou Ganso disse isso, e impunha-se ao bom senso do entrevistador uma discreta correcção para LAPIDAR ou o jornalista ouviu mal e escreveu "delapidar" que quer dizer exacyamente o contrário...

O atleta da caminha apenas queria dizer que não teve tempo para vencer o "gap" da diferença horária. Foi pateta em brincar com a coisa mas no que diz tem carradas de razão. Não é em tres ou quatro dias que se consegue habituar o corpo a tal diferença horária. sem cair nos exageros de um comentador (Tavares) do Público que o aplaude (???!!!?) sempre direi que o atleta pôs o dedo numa ferida: isto tem de ser levado a sério e pôr lá as pessoas com a antecedencia mínima para poderem dar o melhor de si.