Olhando angustiadamente para diante
Confesso, leitoras gentis que regressais de férias queimadinhas de sol, sal e sul como dizia o poeta, que nem sei por onde começar.
É que me apetece, logo eu, tão pouco dado a amorios com a autoridade!, chegar à primeira esquadra de polícia e fazer queixa. Queixa da Sr.ª Ministra da Educação, da criatura que lhe serve de secretario ou sub, dos gabinetes de inteligências que se amesendaram à tábua corrida do orçamento, dos cavalheiros e cavalheiras do eduquês que os pariu, de sei lá mais quem.
Ora vejam bem: uma criancinha do 6º ou 7º ano (isto é com os seus doze treze a(s)ninhos) chumbou a tudo excepto Educação Física. A tudo, notem bem. A Português, a Matemática, às ciências e línguas diversas, à educação musical e sei lá a que mais. Ou seja, o menino não sabe patavina, nada de nada, excepto flik-flak para trás e cambalhota sem impulso.
E que faz a “escola”, o corpo docente, a DRE, o Ministério, enfim todos nós que pagamos? Pois não faz nada. Não fazemos nada. NADA de NADA! Ou melhor, cometemos um crime, pior, uma estupidez, pior ainda –para quem é religioso – um pecado: passaram o menino para o ano seguinte.
Parece que querem evitar traumas ao infante ignorante, eventualmente preguiçoso, burrinho talvez, filho de pais imbecis que se estão cagando para os estudos do abencerragem (eu ia escrever “estão nas tintas” para evitar o palavrão mas não. Esta gentuça, pais, professores, autoridades, experts em educação não se está nas tintas. Estão-se cagando: na criança, nas outras crianças, em nós, no futuro do país, no bom senso e na justiça.
Esta gente, este bando de mariolas, filhos espúrios de um Rousseau desconhecido que deve estar a dar voltas na tumba, tontos de atar, como se diz em Espanha, acha que a criatura ignorante e incumpridora a todas as disciplinas (todas não!, que se salva a tal “educação física”, valha-nos santa Rita, padroeira das mulheres maltratadas e dos impossíveis) ficaria com uma depressão grave, com angustias existenciais, com uma ferida na alminha de pomba, se fosse chumbada e ficasse mais um período escolar no mesmo ano que tão estrondosa e espantosamente desaproveitou.
Esta gente parece esquecer um facto evidente: ao premiar com uma passagem o menino infeliz, disseram a todos quantos (e serão muitos, a maioria, até...) que estudaram e obtiveram aproveitamento que não vale a pena esforçarem-se (excepto a Educação Física que os jogos olímpicos precisam de atletas portugueses como de pão para a boca) e estudar pelo menos os mínimos para obter a nota de aproveitamento. Com esta “passagem” santificada pela escola, ungida pelos santos óleos dos gabinetes de arrogantes cretinos que salvam o mundo e a educação afundando os critérios já de si baixíssimos de nota de passagem, apregoada como exemplar por uma récua de políticos mais populistas que o presidente da Geórgia, é todo o sentido da Educação que vai pelo cano (da latrina, como já acima se insinuou).
Eu sei que algum parvajola, diplomado em patetice (de pateta mas também de patético) virá dizer que eu sou um ignorante, um velhadas, um conservador, um neófito nestas balivérnias educativas, uma besta quadrada, um camelo de três bossas. Seja!
Virá ainda dizer que a criancinha (que por força não será a única – a menos que pertença á família de algum tubarão da política... de preferência do partido no poder) irá ter um acompanhamento especial, aulas de recuperação que se juntarão às aulas normais. Ou seja, o garoto (ou garota, tanto dá...) vai ter um horário arrasador. Se tiver! Se houver professores en número suficiente!..., que de certeza muitos outros meninos com chumbos a menos cadeiras terão de ser reaproveitados.
Esta gente que se recusa a imolar a criancinha na pira nefanda de uma repetição de ano, é exactamente a mesma que há dias bramava, uivava, balia por medalhas em Pequim. Que acusava os atletas de falta de brio, de profissionalismo, de responsabilidade! Que dizia, autoridades incluídas, como a subsecretariante criatura dos Desportos cujo nome nunca me acode, que Pequim não era um prémio mas um desafio para fazer melhor, ao mesmo tempo que ia insinuando que se pagara entre 500 a 1500 euros por mês de bolsa, uma fortuna como se vê...
No caso da educação dos meninos não é de uns poucos milhares de euros que se fala mas de centenas de milhões. Anualmente. Não é de medalhas de quatro em quatro anos que estamos a falar. É de algo muito mais prosaico: o futuro do país enquanto Nação independente. É de independência, tout-court, que falamos. Nenhum povo consegue subsistir sem cultura, educação, respeito pelos valores de solidariedade e de responsabilidade. E isso não se consegue com a trágica falta de conhecimentos mínimos que actualmente é oferecida aos mais jovens (e mais desprotegidos) cidadãos portugueses, os portugueses que têm entre seis e dezassete anos.
Esta “passagem” estúpida é infamante para o seu contemplado e não salva os seus responsáveis de uma forte acusação perante a história, a sociedade e a opinião pública. Cadeia com eles! Que são eles que estão a criar os jovens que baleiam alemães nos Algarves, que andam aos tiros pelas quintas do mocho, que se arrastam pelos bairros miseráveis atrás de uma grama de droga, que roubam, que sujam, que maltratam. Que se matam ou morrem ingloriamente de um tiro para o ar, de uma sobredose, de um suicídio induzido muitos anos atrás na escola em que ninguém os salvou.
Sem educação e sem cultura a primeira vítima é o respeito por nós próprios e pelos outros. Com ou sem tiros, agressões ou meros insultos (a que ninguém liga...)
E quando se denega a cultura e a educação está-se a ser cúmplice dos que, á falta de conhecimentos úteis, encontram na violência o único meio para subsistir. Insisto, cadeia com eles! Já!
Carcavelos, 26 de Agosto
mcr
* alguma leitorinha (ou leitor) terá reparado que o título desta crónica é uma variante do nome de uma bela peça de John Osborne (Look back in anger). Custa-me usá-la num texto em que falo daquelas criaturas da educação que provavelmente nunca a viram ou sequer leram (nem o filme...). Também, e disso tenho a certeza, não a entenderiam...
1 comentário:
Oh MCR, aonde foi desencantar esse caso? Parece um fenómeno do Entroncamento.
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