As políticas de circunstancia
e as circunstâncias da política
Uma pessoa tem de se rir. Do pais, do governo, de si própria. Em tempos de crise “rir é o melhor remédio” como se dizia numa secção das Selecções do Reader’s Digest, nos tempos em que a revista era feita no Brasil.
Vem isto a propósito da célebre “mobilidade especial” um truque inventado pelas criaturas que velam por nós e sobretudo pelos funcionários públicos. Em teoria a coisa era mais ou menos assim:
Os funcionários públicos são uma récua de ignorantes, de preguiçosos, de vampiros que sugam o escasso sangue do povo português que “lhes paga os vencimentos”. Em troca não fazem nenhum, são cúpidos, cedem a cunhas e são regra geral incompetentes.
Em função do que vem de ser dito, o prestimoso governo que com imenso e abnegado sacrifício zela pela nossa vida e fazenda, entendeu mostrar urbi et orbe não só a maliciosa acção da funçanata pública mas igualmente quebrar-lhes a espinha e os gigantescos privilégios de que desfrutavam-
Nessa acção moralizadora tinham especial significado um par de avaliações, a entrega de competências do Estado a privados, o fim do “vínculo” e, last but not the least, uma generosa oferta: quem quiser ir embora pode pedir a mobilidade especial que em teoria significa receber cerca de 75% do ordenado sem ter que pôr o cadáver no serviço. Os descontos para aposentação e demais alcavalas ficam a cargo do funcionário. Pretendia-se atirar para fora do Estado com o maior número de pessoas, de modo a “emagrecer” uma administração pública empolada.
Digamos, para abreviar, que com essa cenoura se pensava alcançar sem grande esforço a saída dos milhares de funcionários (75.000 se não estou em erro) que se previra no inicio da legislatura.
A latere, as campanhas de desprestígio de várias camadas de funcionários desde magistrados a professores sem esquecer os “burocratas” avulsos, iam dando aos menos propensos á saída o pequeno e amigável empurrão que se calcula.
Num primeiro tempo, os funcionários, desconfiados de tanta fartura, não tugiram nem mugiram. Depois com a crispação a que se foi assistindo, alguns mais inconformados aceitaram. Renunciaram a 25% do gigantesco ordenado que auferiam (e que era pago pelo povo trabalhador...) pagaram de seu bolso os descontos legais e descobriram que há vida no exterior.
Sobretudo aqueles que eram relativamente novos e tinham formação superior (os chamados quadros técnicos superiores) verificaram que o rarefeito mercado de emprego os aceitava, os incluía e até os disputava. Parece que tinham experiência, conhecimentos, brio, vontade de trabalhar e entusiasmo.
Foi um rastilho: num ápice perfilaram-se à porta de saída fortes contingentes de técnicos superiores. Fartos de humilhações, de maus tratos, de condições de trabalho miseráveis, de chefias nomeadas pelo poder político e pelo respectivo cartãozinho partidário, vendo o seu mundo atravessado por disputas e denúncias de toda a ordem, eis que se resolviam a dar o salto às vezes depois de dez, quinze vinte ou mais anos de serviço público.
Paralelamente, começou a verificar-se a saída em magote, para a reforma, de milhares de funcionários com mais de cinquenta e muitos anos de idade e com tempos de serviço que ultrapassavam os trinta anos. Partiam, e partem, com fortes penalizações mas tudo lhes parece preferível ao caos que começa a instalar-se em muitos sectores da administração.
E, de repente, os alarmes dispararam: a ânsia de sair ameaça paralisar serviços inteiros. Os novos recrutamentos não trazem a esperada vivificação da função pública. Pior: nota-se que o nível dos recém-entrados apesar dos diplomas, das cunhas, da cor política, é baixo. Ou então, sabe-se como sempre se soube (só o virginal governo e os radicais anti-funcionalismo ignoravam) que a aprendizagem da função é longa, difícil, que necessita de um caldo de cultura, muitas vezes furiosa e estupidamente destruído pela sanha renovadora de quem governa e dos seus cabos de esquadra nos serviços.
E toca a fazer marcha atrás: os jornais de hoje já advertem que a mobilidade especial afinal não é para todos. Não é desde logo para os quadros técnicos superiores. Maria de Belém Roseira repetiu-o na televisão (ressalve-se que esta declaração foi antecedida de um profundo elogio ao funcionalismo, algo que se deve realçar porque vem de uma das mais respeitadas figuras do PS que ainda por cima já desempenhou cargos governativos) dizendo mesmo que lhe parecia estranho que o Estado pagasse para as pessoas irem para casa. Tem carradas de razão mas foi exactamente isso que este governo propôs e começou a levar a cabo. Agora percebem (tarde e a más horas) a asneira monumental que fizeram e vá de dar o dito por não dito.
Amanhã, não se espantem leitoras gentis, algum dos sátrapas que nos iluminam com a sua exuberante incandescência virá a terreiro afirmar que a função pública portuguesa (magistrados e professores incluídos) é da melhor do mundo. Vai uma apostinha?
Esta crónica poderia continuar recheada de exemplos caricatos. Não vale a pena. Basta atentar que se a função pública estivesse tão doente quanto a anunciam há muito que tudo isto tinha parado. E, já agora, se porventura vos vier à cabecinha pensadora fazer uma comparação entre eficiência do sector público administrativo e os diferentes privados que se esboroam ao cheiro da crise não hesitem. E digam-me depois a que conclusões chegaram.
E, já que estamos com a mão na massa, façam o pequeno exercício de tentar adivinhar quem prejudica mais o tal “povo” com que nos moem diariamente. Se a Banca, os Seguros, as empresas com E maiúsculo ou os tais malandrins que se escondem debaixo da mesa do Orçamento (que curiosamente se abre à voracidade privada com um descaramento de puta brasileira prestes a reformar-se, mas isso é outra história)?
Vem isto a propósito da célebre “mobilidade especial” um truque inventado pelas criaturas que velam por nós e sobretudo pelos funcionários públicos. Em teoria a coisa era mais ou menos assim:
Os funcionários públicos são uma récua de ignorantes, de preguiçosos, de vampiros que sugam o escasso sangue do povo português que “lhes paga os vencimentos”. Em troca não fazem nenhum, são cúpidos, cedem a cunhas e são regra geral incompetentes.
Em função do que vem de ser dito, o prestimoso governo que com imenso e abnegado sacrifício zela pela nossa vida e fazenda, entendeu mostrar urbi et orbe não só a maliciosa acção da funçanata pública mas igualmente quebrar-lhes a espinha e os gigantescos privilégios de que desfrutavam-
Nessa acção moralizadora tinham especial significado um par de avaliações, a entrega de competências do Estado a privados, o fim do “vínculo” e, last but not the least, uma generosa oferta: quem quiser ir embora pode pedir a mobilidade especial que em teoria significa receber cerca de 75% do ordenado sem ter que pôr o cadáver no serviço. Os descontos para aposentação e demais alcavalas ficam a cargo do funcionário. Pretendia-se atirar para fora do Estado com o maior número de pessoas, de modo a “emagrecer” uma administração pública empolada.
Digamos, para abreviar, que com essa cenoura se pensava alcançar sem grande esforço a saída dos milhares de funcionários (75.000 se não estou em erro) que se previra no inicio da legislatura.
A latere, as campanhas de desprestígio de várias camadas de funcionários desde magistrados a professores sem esquecer os “burocratas” avulsos, iam dando aos menos propensos á saída o pequeno e amigável empurrão que se calcula.
Num primeiro tempo, os funcionários, desconfiados de tanta fartura, não tugiram nem mugiram. Depois com a crispação a que se foi assistindo, alguns mais inconformados aceitaram. Renunciaram a 25% do gigantesco ordenado que auferiam (e que era pago pelo povo trabalhador...) pagaram de seu bolso os descontos legais e descobriram que há vida no exterior.
Sobretudo aqueles que eram relativamente novos e tinham formação superior (os chamados quadros técnicos superiores) verificaram que o rarefeito mercado de emprego os aceitava, os incluía e até os disputava. Parece que tinham experiência, conhecimentos, brio, vontade de trabalhar e entusiasmo.
Foi um rastilho: num ápice perfilaram-se à porta de saída fortes contingentes de técnicos superiores. Fartos de humilhações, de maus tratos, de condições de trabalho miseráveis, de chefias nomeadas pelo poder político e pelo respectivo cartãozinho partidário, vendo o seu mundo atravessado por disputas e denúncias de toda a ordem, eis que se resolviam a dar o salto às vezes depois de dez, quinze vinte ou mais anos de serviço público.
Paralelamente, começou a verificar-se a saída em magote, para a reforma, de milhares de funcionários com mais de cinquenta e muitos anos de idade e com tempos de serviço que ultrapassavam os trinta anos. Partiam, e partem, com fortes penalizações mas tudo lhes parece preferível ao caos que começa a instalar-se em muitos sectores da administração.
E, de repente, os alarmes dispararam: a ânsia de sair ameaça paralisar serviços inteiros. Os novos recrutamentos não trazem a esperada vivificação da função pública. Pior: nota-se que o nível dos recém-entrados apesar dos diplomas, das cunhas, da cor política, é baixo. Ou então, sabe-se como sempre se soube (só o virginal governo e os radicais anti-funcionalismo ignoravam) que a aprendizagem da função é longa, difícil, que necessita de um caldo de cultura, muitas vezes furiosa e estupidamente destruído pela sanha renovadora de quem governa e dos seus cabos de esquadra nos serviços.
E toca a fazer marcha atrás: os jornais de hoje já advertem que a mobilidade especial afinal não é para todos. Não é desde logo para os quadros técnicos superiores. Maria de Belém Roseira repetiu-o na televisão (ressalve-se que esta declaração foi antecedida de um profundo elogio ao funcionalismo, algo que se deve realçar porque vem de uma das mais respeitadas figuras do PS que ainda por cima já desempenhou cargos governativos) dizendo mesmo que lhe parecia estranho que o Estado pagasse para as pessoas irem para casa. Tem carradas de razão mas foi exactamente isso que este governo propôs e começou a levar a cabo. Agora percebem (tarde e a más horas) a asneira monumental que fizeram e vá de dar o dito por não dito.
Amanhã, não se espantem leitoras gentis, algum dos sátrapas que nos iluminam com a sua exuberante incandescência virá a terreiro afirmar que a função pública portuguesa (magistrados e professores incluídos) é da melhor do mundo. Vai uma apostinha?
Esta crónica poderia continuar recheada de exemplos caricatos. Não vale a pena. Basta atentar que se a função pública estivesse tão doente quanto a anunciam há muito que tudo isto tinha parado. E, já agora, se porventura vos vier à cabecinha pensadora fazer uma comparação entre eficiência do sector público administrativo e os diferentes privados que se esboroam ao cheiro da crise não hesitem. E digam-me depois a que conclusões chegaram.
E, já que estamos com a mão na massa, façam o pequeno exercício de tentar adivinhar quem prejudica mais o tal “povo” com que nos moem diariamente. Se a Banca, os Seguros, as empresas com E maiúsculo ou os tais malandrins que se escondem debaixo da mesa do Orçamento (que curiosamente se abre à voracidade privada com um descaramento de puta brasileira prestes a reformar-se, mas isso é outra história)?
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