12 outubro 2008

Missanga a pataco 60


Danos colaterais

Não sou cristão, sequer religioso. E sinto-me confortável nesta “terra de ninguém” a que nos condenam os que crêem no mais além e que, normalmente, não aceitam que uma pessoa não tenha a “fé” e esteja pois fora da “graça” que, segundo eles é o estado natural do humano.
Feita esta declaração de interesses, não deixa de me impressionar o que actualmente se passa no Iraque. Os cristãos são perseguidos raivosamente e já não tem conta os mortos, os feridos, os emigrados, os fugitivos. A comunidade que há alguns anos contava mais de um milhão de crentes estará reduzida a menos de quinhentos mil.
Nos tempos de Saddam, havia deputados cristãos, empresários cristãos, militares cristãos e mesmo um vice-primeiro ministro cristão.
A intervenção americana levada a cabo por dirigentes radicalmente cristãos, que tinham uma fezada na existência de armas de destruição maciça, conseguiu várias coisas de uma só vez: cresceu a influencia chiita, cresceram as tensão inter-comunitárias, diminuíram drasticamente os direitos das mulheres, ao mesmo tempo que se está cada vez mais perto da imposição pura e simples da “sharia”. Num pais onde a Al Qaeda não só não existia mas sobretudo era mesmo perseguida ou, pelo menos vigiada de perto, agora há dezenas de organizações que dela se reclamam, a imitam e causam os desastres que se conhecem. Entre eles, este, os cristãos passaram a ser identificados com os ocupantes estrangeiros. E a ser perseguidos.
Esta, a igreja caldeia, era a mais antiga igreja cristã existente e, mais do que isso, a única com influência e estatuto num pais árabe (com a excepção do Líbano onde, de resto, começa também a ser problemática – por erros próprios, aliás – a continuidade da igreja maronita.). Corre o risco de desaparecer. E de desaparecer rapidamente.
Não sou, como já disse, cristão. Irritam-me mesmo certas campanhas cristãs, a tentativa de missionação que por vezes ocorre às várias e diversas igrejas cristãs, católica incluída. Todavia, acredito piamente na liberdade, em todas as liberdades, incluindo a de culto. E quando esta é posta em causa, as outras não tardarão a ser igualmente postas em questão. Por isso, enquanto é tempo, aqui deixo este apontamento. E já agora esta pergunta: foi para isto que se invadiu o Iraque ou, como ocorre com as diárias vítimas civis, também aqui estamos em presença de um “efeito colateral”?

* Deveria também citar o que se passa na Índia (Orissa) mas aí a questão põe-se diferentemente. Trata-se sobretudo de luta de classes (não se assustem, almas de Deus) e de castas. São os mais pobres que, de há muito convertidos a uma religião onde ninguém está condenado a ser paria, reivindicam direitos que, obviamente, os possidentes lhes negam. E o ataque aos templos cristãos é apenas um modo de lembrar aos seus crentes que além de párias adoram um deus estrangeiro... Aliás o deus dos antigos colonizadores. Ah, a história repete-se, como dizia o velho Karl. Se se repete...


** a ilustração mostra dois cristãos a fazer umas judiarias a uns mouros. Lembram-se?

1 comentário:

O meu olhar disse...

Mcr, esta sua reflexão traz-nos um assunto muito mais preocupante do que a crise financeira. A natureza humana tem aspectos assustadores.