10 dezembro 2008

A varapau 2

A unidade, a união sagrada e os seus adeptos

O dr Mário Soares resolveu fazer um apelo. Um apelo à unidade. Diz o excelente senhor que numa situação destas (presume-se que se refere à economia, apesar da calma olímpica de vários responsáveis governamentais) não se deve andar em “guerrilhas” políticas. Deve haver unidade. À volta do Governo, presume-se.
Parece que o dr Soares entende que a política deve ir para férias por uns tempos. E a democracia provavelmente também. Como se a crise fosse outra coisa que não política. Como se a economia fosse algo que é independente da política.
O dr Mário Soares não é como o vinho do porto. Envelhece mal. Então descobriu agora que o apelo à unidade, usado por tudo o que foi regime fascista, é o ideal para combater a crise. Esquece que durante os muitos anos em que andou na oposição, o governo da altura o criticava por ele andar em guerrilhas esquecendo que o país estava a braços com uma, duas ou três guerras na África.
O apelo à unidade, feito desta maneira, diz tudo, infelizmente, do pensamento cadaveroso de alguma elite política portuguesa. Claro que o dr. Soares tem uma desculpa. Do outro lado está Manuel Alegre. E ele, Soares, que jura não falar disso, só fala disso, mesmo quando silencia. Não engoliu a derrota eleitoral.
Também fez umas declarações curiosas sobre coragem política. Poderia, mesmo tardiamente, atribuir à drª Ferreira Leite a mesma coragem que hoje reconhece numa sua sucessora. Porque Ferreira Leite tinha na altura a mesmíssima razão que a sucessora hoje tem. Mas provavelmente o dr Soares acha que a tempos diferentes (mesmo que próximos) deverão corresponder apreciações diferentes.
E tem razão: votei nele duas vezes e fiz mesmo parte do núcleo duro dos seus primeiros e escassos apoiantes. Depois preferi Alegre. E senti-me bem. Muito bem. Mas continuei a ter ternura e respeito pelo “velho senhor”. Custa-me vê-lo a dizer o mesmo que os mais alucinados apoiantes de Salazar. Quando se tem uma biografia há que respeitá-la, como disse um dirigente bolchevique que instado a confessar “crimes anti-partido” num processo de Moscovo para salvar a vida, preferiu não o fazer. Foi condenado e executado. E ainda hoje é recordado. E respeitado.

8 comentários:

JSC disse...

Não sou, nunca fui, um seguidor de Mário Soares. Mesmo no tempo dos sapos optei pela abstenção. Li as declarações, publicadas hoje, em que apoia Sócrates, em claro desfavor de Manuel Alegre. Parece-me razoável e coerente. Afinal de contas Sócrates deu-lhe a oportunidade de se candidatar e… liquidar.
Agora, o que não me parece razoável é Manuel Alegre ainda permanecer no PS. É tempo, mais que tempo, de avançar com o seu movimentozinho.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Caro d'Oliveira, parece-me ver por aqui um certo exagero.

JSC disse...

Caro d’Oliveira, pensando melhor, Manuel Alegre está a garantir o seu espaço vital ou como agora se diz, a sua janela de oportunidade. Vejamos, para o próximo ano (daqui a uns meses) vão ser escolhidos os candidatos a deputados. A postura recente de Manuel Alegre apontaria para a sua substituição (que até já foi tentada outrora). Contudo, com esta coisa das esquerdas, mais alguns bitaites desalinhados com o discurso oficial do PS, já lhe deram o privilégio de ter há uns dias, um almoço privado com o primeiro ministro. Quantos deputados alinhados se podem gabar de ter um almoço privado (a dois) com o líder?

Ou seja, Manuel Alegre soube criar e gerir o espaço vital, que o vai manter como deputado na próxima legislatura, por muito que isso custe a alguns socráticos e por muito que seja difícil de entender pelos, ainda, apoiantes do poeta/político (ou será antes político/poeta?).

Manuel Alegre segue uma estratégia de sucesso pessoal, que só acabará por beneficiar o próprio PS. Como diria o outro, será que sou eu que sou o burro?

d' Oliveira disse...

eu acho que soares pode e deve apoiar o PS. Ao fim e ao cabo foi ele quem fundou o Partido.
Por acaso, por acaso, foi alegre quem o refundou no famoso combate contra Manuel Serra. Talvez por isso sintam ambos dificuldade em se separar do partido a que deram vida (soares, obviamente é mais importante que Alegre neste processo, e ficará na história quanto mais não seja porque foi a cara do PS nos tempos sombrios, venceu-os e foi presidente da república.

O que já percebo menos, ou nem sequer percebo (e permitam-me dizer que conheço Soares bastante bem - e de ainda antes do 25 A) é a pressa com que soares vem à liça em questões menores como esta do tal encontro das esquerdas, onde não estou, nunca estaria e onde eventualmente Alegre poderá estar. Não sou do MIC nem tenciono vir a ser.
Caro JCP quer mais independência do que isto?
E diga-me: acha sensatas as declarações de Soares?
não acha que ele - como velho senhor de democracia não se deveria gastar em merdices deste estilo? Pensará soares que a sua opinião dissuadirá quem quer que seja de ir ao tal encontro? não será mais sensato deixar o encontro soçobrar tranquilamente sem lhe fazer desnecessária propaganda?

No que toca a Alegre andar para a frente, creio bem que não o deve fazer. Não estão reunidas condições (objectivas ou subjectivas) para ter êxito. A democracia lusa está bloqueada e a intrusão de um novo movimento não tem perspectivas de êxito. O MIC, ou lá o que é, deve continuar a ser uma plataforma de discussão (onde, repito, não estou) que poderá eventualmente ter influencia no devir do PS. que bem precisa de quem o influencie...

d' Oliveira disse...

Caro JSC
só li o seu 2º comentário depois de ter escrito o meu. O computador só dava fé de 2 intervenções e fiei-me...
Estou bastante de acordo com o que diz. Alegre acaba por ser suficientemente forte dentro para estar agora a pensar em ser fraco fora.

Primo de Amarante disse...

Excelente post. Peço licença para o transcrever para a margem esquerda. Mas, como referi, num post do meu blog, Mário Soares não representa apenas o ex-Presidente da República, mas uma família e isso é que o faz dizer o que diz.

E isso é dramático!...Desaparecem referências de credibilidade e nada fica de firme para suster a revolta.

O que está a acontecer na Grécia pode parecer nada ter a ver com isto, mas tem tudo a ver.

Os políticos, que têm dominado o poder na Europa, saíram duma classe média; isto é, de uma certa burguesia bem-pensante, que foi alimentando, desde há muitos anos, um poder que excluiu, em nome do voto maioritário, as minorias que constituem os traídos da história. Essa minoria é, agora, alargada aos jovens que se sentem desesperados pela crise e não encontram esperança no Futuro.

Estes vêem na classe média os conluiados com o poder dominante, uns “chicos espertos” que ergueram bandeiras de esperança para encherem os seus próprios bolsos. Sentem-se enganados e basta uma faúlha para que os seus ânimos despoletem revolta e vingança.

Sentem que essa classe média é responsável pelo apoio que têm dado a um centrão, da Grécia ou de outras partes da Europa, corrupto, sem sentido de Estado e sem qualquer sensibilidade ao interesse comum.

E é neste contexto que os desesperados se revoltam na Grécia contra tudo o que representa ser o “alimento” desse poder. Culpabilizando a classe média, vingam-se em tudo o são suas referências, incendiando bancos, destruindo lojas, carros, etc,. É como se estivessem a combater o poder e quem o poder tem servido.

Aqui, em Portugal, vai acontecer o mesmo.

Sempre que as sondagens favorecem Sócrates (que considero o governante mais medíocre e petulante de todos os tempos), penso nos jovens que na Grécia estão a destruir tudo o que lhes aparece no caminho. Eles revoltam-se contra a classe social que dá vitórias a uns sócrates que lhes nega o direito à verdade, à esperança credível, ao sentido da vida e da história.

Não se deixam enganar pela retórica propagandística, porque vivem factos: tiram cursos que não servem para nada, não têm emprego, o poder enreda-se na corrupção, os partidos não têm qualquer credibilidade, os políticos são uma espécie de proxenetas que vivem do trabalho dos outros e o futuro não lhes dá qualquer esperança. Nesta circunstância, só revolta anárquica lhes parece legitima!

Não tardará que esta onda vá, entre nós, rebentar, e de nada serve falar da lei ou da ordem para meter a cabeça na areia!

Albino M. disse...

Podias dizer o nome do "moscovita"...
Para exemplo.
Abc.

M.C.R. disse...
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