05 fevereiro 2009

Diário Político 100


O país “positivo

Não, não é nenhuma piada a quem quer que seja mas apenas uma resposta a um boletim luxuoso que volta e meia aparece nas caixas do correio, em separatas de jornais, um pouco por todo o lado. Ao lê-lo, fica-se com a vaga ideia que nos falam de um outro país de fantasia onde o crash de um banco não vai já nos 1800 milhões de euros. Ou seja só por aí já estamos cada um de nós, portugueses, a arder em 200 euros por cadáver. E a procissão ainda vai no adro porque ninguém garante que o descalabro não é ainda maior.
Em Dezembro noticiava o circunspecto Público que tinham fechado mais de doze mil empresas. Doze mil! Púnhamos que eram todas pequenas, pequeninas, mesmo assim devem andar pelos cinquenta, sessenta mil desempregados. O problema é que atrás delas aparecem as médias e as grandes. As quimondas e as têxteis, as do calçado e as da construção. Amorim despede cento e tal trabalhadores, a Sonae fecha fábricas por enquanto lá fora mas quem garante que cá dentro as não fechará? As empresas que fabricam ou montam, melhor dizendo, automóveis vão aliviando cadencias, suprimindo turnos, “dispensando” trabalhadores temporários, propondo dias de fecho etc...
Sou frequentador ocasional mas obrigatório de uma loja de computadores (que aliás já não tem material para venda) onde vou resolver pequenos problemas das minhas máquinas. Apareço por volta das onze e sou sistematicamente a primeira pessoa que os dois empregados (eram cinco...) vêem. De manhã é assim. Deve ser do frio.
À tarde, as coisas melhoram, disseram-me mas não há engarrafamentos...
Na pastelaria onde bebo o primeiro café da manhã enquanto leio o jornal há agora sempre mesas, muitas mesas. O mesmo se passa na esplanada. Deve ser do frio...
Amigos meus que trabalham num departamento da Segurança Social dizem-me que na Unidade Jurídica e, particularmente no sector de apoio jurídico triplicou o número de requerentes. Triplicou! Isto significa que mensalmente aparecem mais dez mil pessoas a requerer ajuda para accionar empregadores, defender-se de senhorios que exigem o pagamento das rendas, etc... É o inverno.
Num prédio aqui ao lado, acabado de construir, anuncia-se um desconto de 50.000€ por casa. Cinquenta mil euros leram bem. Dez mil antigos contos. Os preços das casas contraem-se com o frio, como se sabe. Há que esperar o verão para ver se descontraem.
Os saldos de Janeiro começaram no dia 26 de Dezembro para os estabelecimentos mais pudicos mas a coisa começou bem antes para muitos outros. Como se não acreditassem no Natal nem na pulsão consumista dos portugueses.
Mas o país, na versão cor de rosa da revistinha, continua positivo.
Claro que nas duas ou três últimas semanas estas questões estiveram submersas devido á maré alta do Fripór para utilizar a pitoresca pronúncia do senhor engenheiro. Convenhamos que esta avalancha noticiosa (oriunda como se sabe de uma central moscovita ou fascista maldosa e interessada em levar a cicuta ao seu natural destinatário) foi uma bênção para o Governo. À uma porque, como em Shakespeare, até agora há “muito barulho por nada”. Depois porque muito mais grave do que os pecados reais ou imaginários do senhor primeiro ministro é a sua incapacidade (dividida com as luminárias que trouxe para o Governo) cada vez mais exuberante em atalhar o mal-estar, a angústia, o medo de centenas de milhares de cidadãos trabalhadores. Enquanto se discute se os do fripór compraram ou não personalidades repolhudas ou apenas, como se vai ver no fim, dois moços de recados, folgam as costas dos responsáveis das Finanças, da Economia, do Trabalho etc..., do Governo no seu conjunto.
E é no meio desta enxúndia de notícias sobre coisa escassa que se oferece ao indigenato local um campeonato de futebol a meias com a Espanha. Eu sei que é para daqui a um largo par de anos mas o simples facto de isto perpassar na cabecinha pensadora dos madails do costume aterra-me. Primeiro parece que se esqueceram do flop de há poucos anos. Depois aí estão estádios enormes mais mortos que os ossos de um dinossáurio e mais desertos do que uma praia em noite de inverno e tempestade. Mas há pior: daqui a seis sete ou dez anos estes depauperados estádios vão necessitar de obras, de serem modernizados, sei lá mais de quê. E quem paga? O BPN? O BPP? Madaíl y sus muchachos? Ou apenas, e como de costume, a peonagem?
A revisteca positiva poderia, já agora, e logo ela que adora o turismo, referir que desde inícios de 2007 e até pelo menos o verão de 2008 o pais foi percorrido por uns turistas singulares e encapuçados. Da ETA, para ser mais preciso. Da ETA, como consta das famosas instruções de um Txeroki que o pariu aos membros de um dos últimos comandos desarticulados pela polícia espanhola. Para já só se registaram três automóveis roubados, o último dos quais encontrado em Salamanca e albergando umas cargas de explosivo não detonadas. Se ao menos esse material tivesse cá sido comprado...

estes DP é o nº 100. Nunca pensei aqui chegar! Mas cheguei. Confesso que se soubesse que era este o número me teria esmerado em falar de outra coisa. Mas os homens põem e a circunstância dispõe. E a circunstância é esta: um alçapão que vai andando um passo à nossa frente.

d'Oliveira

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