16 fevereiro 2009

Farmácia de Serviço 48


É cada vez mais irregular o horário de abertura da “farmácia”. O boticário está velho, esquecido e, aqui para nós, duvida bastante da eficácia das suas receitas. Todavia, e antes de fechar de vez o estaminé, lembrou-se de deixar três apontamentos. Como de costume, só fala do que sabe, só recomenda o que já viu, leu, ouviu. Em muito contados casos, e é o caso da exposição, louva-se em notícias e criticas várias todas concordantes.
E comecemos pela música: setenta discos (70!!!) da inolvidável Callas a menos de € 0,50 cada diz-voa alguma coisa? Não vos desperta a vontade de, por um único e irrepetível momento, mandar a crise dar uma volta ao bilhar grande de mão dada com o senhor inginheiro, e “despilfarrar” uns morabitinos? Que diabo são setenta cd dessa enorme diva. A cerca de 30 euros por junto!
The complete studio recordings of Maria Callas (1949-1969)", EMI. Com o aval do Teatro alla Scala de Milão, ainda por cima. Peçam-nos via amazon.fr. que foi de onde os mandei vir. E depois digam qualquer coisinha...

Escuso de vos recomendar “Ofício Cantante” do Herberto Helder. Ou melhor, recordo-vos que é uma reedição da obra completa, versão 2009. E digo isto porque a aquele mafarrico reelabora constantemente os seus textos pelo que poderão estar certos que muitos dos mais conhecidos poemas aparecem em nova versão. A edição é da Assírio & Alvim e anda pelos quarenta e tal euros. Vale-os absolutamente, claro, tanto mais que o livro vem com encadernação de editor o que o protege mais. Quem quiser encomenda-o ao “Pátio das letras” em Faro. A almirante fluvial Kamikaze terá todo o prazer em vo-lo enviar.

E agora uma novidade, novinha, acabadinha de sair do forno: “la ninfa inconstante” de Guillermo Cabrera Infante, esse cubano prodigioso, desaparecido há cerca de três anos e que nos deu “Tres tristes tigres” e “La Habana para un infante difunto” (acabo de escrever isto e vejo que o mesmo se escreve na contracapa. Raios!, já não se pode ser original). A “ninfa...” é uma obra póstuma. Nem sempre são recomendáveis estas cavadelas no espólio de um escritor desaparecido mas aqui estamos em presença de algo que vos encantará. A edição, bem bonita, corre a cargo da Galáxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Anda pelos 20 euros. O Corte Inglês encomenda-a.

Não é uma novidade mas é uma raridade. Ou melhor, é uma reedição facsimilada de uma raridade: “Proverbe”. Proverbe foi uma revista dadaísta dirigida por Éluard que publicou seis números entre Fevereiro de 1920 e Julho de 1921. Os originais, escassos, escassíssimos tem preços estratosféricos, claro. Como tudo o que toca o surrealismo e o dadaísmo. Para mais informação consultem www.editions-dilecta.com ou a velha amazon.fr. não é barato, não senhor: cerca de 23 euros por uns fascículos magrinhos mas excelentes.

E agora um para os soixante-huitards assanhados. Para os que ainda não depuseram as armas. Para os que se divertiram. “Harakiri 1960-1985, les belles images" (Hoebeke). Para quem não saiba, Harakiri (journal bête et méchant) foi uma das melhores e mais agressivas revistas desse tempo prodigioso. Cavanna, Wollinsky, Cabu, Reiser, Delfeil de Ton entre outros colaboraram neste panfleto monumental. A bem-pensância horrorizada criticava-lhe o mau gosto, a ferocidade, a intransigência sei lá que mais. Imperdível. Imperdível sobretudo porque o poder proibia vezes sem conta a revista até que a forçou a mudar de nome. Trata-se de uma sólida edição ilustradíssima de 320 páginas formato grande. Pour lecteurs avertis, como se diz para os filmes ousados... 28 euros!

Quem pode vai a Paris ver o Chirico (Chirico et la fabrique des rêves) ao Musée d’Art Moderne. Impressionante, ao que leio. E Paris é sempre uma festa. E pode aproveitar para ver a exposição Paris capital de la photographie no Jeu de Paume. Ao fim e ao cabo voltamos um pouco ao tempo da publicação de Proverbe. E da invenção do século XX.

E agora, muito à puridade, uma dica: entrou na tipografia, ou no que quer que seja, “Máscaras da Utopia (história do teatro universitário em Portugal, 1938-1975)” de José Oliveira Barata, ex-professor catedrático em Coimbra. Será a Gulbenkian a editar. Já li as primeiras 200 páginas de um total de 370, e roí-me de inveja. Porque raio não fui eu a escrever este livro? O Zé B é um velho amigo e discutimos muito o livro á medida em que o ia escrevendo mas a surpresa da versão final é extraordinária. E a iconografia é simplesmente esplendorosa. Só a Gulbenkian é que poderia atrever-se a um lançamento destes. E o teatro universitário português merecia este belíssimo estudo. E os leitores, vocês, também!

1 comentário:

O meu olhar disse...

MCR, eu sou, por vezes, de compreensão lenta. Só agora compreendi o inicio do seu post porque me disseram que estava a pensar acabar com a farmácia. Ora não pode. Um Serviço Público não pode acabar assim. Esta sua Farmácia tem os remédios para a alma e como não conheço outra com o mesmo fim, concluo que se trata dum Serviço Público insubstituível.
Desencadeia-se já uma manifestação, um abaixo-assinado, sei lá, algo que o demova.