Vou-me embora para Pasárgada….
Não vou. Também não sou o Manuel Bandeira embora, enquanto leitor dele desde os longínquos anos sessenta (primeiros anos sessenta…) me sinta um pouco parte dele. Os amadores de poesia transformam-se, com a leitura, no poeta, chegam a acreditar que que foram eles que escreveram aqueles versos magníficos que não se cansaram de ler.
Não vou para Pasárgada mas mais simplesmente para o SAPO, com a restante “companha” desta nau incursionista. Dizem-me que nem vou dar pela diferença, logo eu que só viajo para encontrar a diferença…
A coisa está por dias, quiçá por horas. E é isso que dá urgência a este último diário no google. Não queria ir sem me despedir desta paisagem etérea que provavelmente nem difere da próxima onde aportaremos em breve. Mas que querem? A gente apega-se aos sítios, ás casas, a um clima, ás mínimas coisas…
Estava mesmo com vontade de acabar aqui este bilhete não fora dar-se o caso de um outro viajante bem mais importante e muito mais responsável andar pelas áfricas a pregar a boa (e a má) palavra. Eu não tenho nada a ver com o Vaticano, não sou crente, muito menos católico, mas as palavras do Papa Bento XVI são no mínimo perigosas. E injustas.
Sei que a Igreja é contra a libertinagem ou o que ela define como tal. Sei que condena o uso do preservativo (como antes se fartou de condenar coisas que agora tolera ou até aprova). Mas sei também, e o Papa deveria sabê-lo que a SIDA se ceva em África na carne, na vida de milhões de africanos. De demasiados africanos. Que por serem pobres e terem outros estilos de vida e outras concepções da sexualidade estão ainda mais expostos que os ocidentais europeus e americanos. Acresce que em muitas, extensíssimas, zonas de África não há informação suficiente, sequer informação deficiente. E é aí que a SIDA penetra com mais intensidade. E nos bidonvilles gigantescos das grandes metrópoles africanas, nesses depósitos de gente miserável e ignorante.
Aqui a estratégia tem de ser diametralmente oposta ao apelo da Igreja. (Duma Igreja que não está nem nunca esteve isenta de cumplicidade com os dramas históricos que abalaram as sociedades africanas, convém esclarecer). Aqui impera a urgência! Aqui não pode haver apelos pomposos nem imposição de diktats religiosos que não têm possibilidade de obter êxito. Nem sequer de ser compreendidos. Condenar o uso de preservativos é, ou pode ser, pura e simplesmente, propor o seu não uso nas relações sexuais. Porque de uma coisa o Papa pode ter a certeza: os “damnés de la terre” (para usar uma expressão de Franz Fanon) não vão deixar de usar o sexo. É mesmo a única (ou uma das pouquíssimas) coisa que lhes resta. O apelo á castidade, a que ninguém na Europa ou nas Américas, liga, sequer ouve, é algo de tão anti-natural, de tão anti-humano que forçosamente numa sociedade bem mais genesíaca do que a europeia judaico-cristã, causa escândalo. E em África, a palavra de um dirigente branco por muito religioso que ele seja, é a palavra de um “branco”. Com tudo o peso negativo que isso implica.
Já disse que o Vaticano é uma das minhas preocupações menores. Todavia faz parte do sistema em que vivo, em que me reconheço e, quer eu queira quer não, influencia tudo à minha volta. Ora, se isso é assim, e é exactamente assim, causa-me perturbação e mal-estar a declaração imprudente sobre o uso de preservativos. Mais uma vez, uma declaração do Papa, põe em causa não só o que ele representa e dirige mas o que a Europa é e o que ela representa. E é aí que bate o ponto. Hoje os telejornais das televisões europeias abriram todos com esta notícia. E com as reacções das pessoas. Depois da confusão com a guerra das civilizações, do convite á reintegração dos integristas mesmo quando eles eram ou negacionistas ou tontos de atar (como o ex-futuro bispo auxiliar de Linz que achava o desastre de Nova Orleães um castigo de deus por via dos pecados dos habitantes da cidade) esta declaração que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França considerou “inoportuna” e “sanitariamente imprudente” não augura nada de bom ou de exaltante.
Mesmo sabendo perfeitamente que a César o que é de César e a Deus o que é de Deus tenho por seguro que nunca os planos estiveram separados nem sequer o podem estar. É aborrecido mas é mesmo assim.
Comecei por referir uma viagem meramente virtual que iremos fazer e afinal acabo com outra feita por outrem. Não é virtual e as suas consequências são, decerto, muito mais duradouras e importantes.
Esperemos que, doravante, ambas corram bem.
Não vou para Pasárgada mas mais simplesmente para o SAPO, com a restante “companha” desta nau incursionista. Dizem-me que nem vou dar pela diferença, logo eu que só viajo para encontrar a diferença…
A coisa está por dias, quiçá por horas. E é isso que dá urgência a este último diário no google. Não queria ir sem me despedir desta paisagem etérea que provavelmente nem difere da próxima onde aportaremos em breve. Mas que querem? A gente apega-se aos sítios, ás casas, a um clima, ás mínimas coisas…
Estava mesmo com vontade de acabar aqui este bilhete não fora dar-se o caso de um outro viajante bem mais importante e muito mais responsável andar pelas áfricas a pregar a boa (e a má) palavra. Eu não tenho nada a ver com o Vaticano, não sou crente, muito menos católico, mas as palavras do Papa Bento XVI são no mínimo perigosas. E injustas.
Sei que a Igreja é contra a libertinagem ou o que ela define como tal. Sei que condena o uso do preservativo (como antes se fartou de condenar coisas que agora tolera ou até aprova). Mas sei também, e o Papa deveria sabê-lo que a SIDA se ceva em África na carne, na vida de milhões de africanos. De demasiados africanos. Que por serem pobres e terem outros estilos de vida e outras concepções da sexualidade estão ainda mais expostos que os ocidentais europeus e americanos. Acresce que em muitas, extensíssimas, zonas de África não há informação suficiente, sequer informação deficiente. E é aí que a SIDA penetra com mais intensidade. E nos bidonvilles gigantescos das grandes metrópoles africanas, nesses depósitos de gente miserável e ignorante.
Aqui a estratégia tem de ser diametralmente oposta ao apelo da Igreja. (Duma Igreja que não está nem nunca esteve isenta de cumplicidade com os dramas históricos que abalaram as sociedades africanas, convém esclarecer). Aqui impera a urgência! Aqui não pode haver apelos pomposos nem imposição de diktats religiosos que não têm possibilidade de obter êxito. Nem sequer de ser compreendidos. Condenar o uso de preservativos é, ou pode ser, pura e simplesmente, propor o seu não uso nas relações sexuais. Porque de uma coisa o Papa pode ter a certeza: os “damnés de la terre” (para usar uma expressão de Franz Fanon) não vão deixar de usar o sexo. É mesmo a única (ou uma das pouquíssimas) coisa que lhes resta. O apelo á castidade, a que ninguém na Europa ou nas Américas, liga, sequer ouve, é algo de tão anti-natural, de tão anti-humano que forçosamente numa sociedade bem mais genesíaca do que a europeia judaico-cristã, causa escândalo. E em África, a palavra de um dirigente branco por muito religioso que ele seja, é a palavra de um “branco”. Com tudo o peso negativo que isso implica.
Já disse que o Vaticano é uma das minhas preocupações menores. Todavia faz parte do sistema em que vivo, em que me reconheço e, quer eu queira quer não, influencia tudo à minha volta. Ora, se isso é assim, e é exactamente assim, causa-me perturbação e mal-estar a declaração imprudente sobre o uso de preservativos. Mais uma vez, uma declaração do Papa, põe em causa não só o que ele representa e dirige mas o que a Europa é e o que ela representa. E é aí que bate o ponto. Hoje os telejornais das televisões europeias abriram todos com esta notícia. E com as reacções das pessoas. Depois da confusão com a guerra das civilizações, do convite á reintegração dos integristas mesmo quando eles eram ou negacionistas ou tontos de atar (como o ex-futuro bispo auxiliar de Linz que achava o desastre de Nova Orleães um castigo de deus por via dos pecados dos habitantes da cidade) esta declaração que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França considerou “inoportuna” e “sanitariamente imprudente” não augura nada de bom ou de exaltante.
Mesmo sabendo perfeitamente que a César o que é de César e a Deus o que é de Deus tenho por seguro que nunca os planos estiveram separados nem sequer o podem estar. É aborrecido mas é mesmo assim.
Comecei por referir uma viagem meramente virtual que iremos fazer e afinal acabo com outra feita por outrem. Não é virtual e as suas consequências são, decerto, muito mais duradouras e importantes.
Esperemos que, doravante, ambas corram bem.
1 comentário:
Caro d'Oliveira, espero que as saudades desta paisagem fiquem com este seu post. Mudar de ares, quando a Primavera já se anuncia é, em princípio, muito salutar e revigorante. Assim o espero.
Quanto ao Papa e as suas declarações sobre o preservativo não tenho palavras para descrever a minha indignação. São vidas que estão em jogo, sobretudo em África, mas não só porque esta mensagem teve também repercussões em milhares de mentes espalhadas pelo mundo fora. Dada a ainda insuficiente sensibilização sobre a Sida, nomeadamente entre os jovens, esta mensagem do Papa vem dar uma “ajuda“ preciosa para que as coisas continuem na mesma., ou pior.
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