1 – Selecção e Recrutamento de Magistrados
Ainda que timidamente, parece começar a enformar o debate sobre “selecção, recrutamento e formação de magistrados” que precisa ganhar verdadeiro fôlego, para o que se espera poderá contribuir a realização, no próximo dia 28, do Colóquio sobre Formação, a realizar na Póvoa do Varzim, no âmbito da Medel.
No post InFormação e respectivos comentários colocaram-se algumas questões extremamente importantes relativamente à selecção/recrutamento. Curiosamente (ou não!...), elas parecem ter passado completamente ao lado das preocupações da comissão que procedeu à proposta de alteração à Lei do CEJ (ver post"Formação divide Justiça").
A manter-se o número médio anual de candidaturas ao CEJ, não me parece viável admitir, na 1ª fase no CEJ sugerida por Til (necessariamente formativa, em meu entender), a totalidade dos candidatos em condições legais de admissão. Uma selecção ou pré-selecção destes logo à entrada parece-me, assim, inevitável.
Uma proposta que tem vindo a ser avançada em todos os debates que, pelo menos desde há um ano, têm vindo a ser feitos sobre este tema e que recebeu consagração consensual nas conclusões do Congresso da Justiça poderia, no entanto, contribuir em muito para a resolução deste problema.
Tendo em conta a necessidade de adequação do nosso ensino universitário aos princípios constantes da Declaração de Bolonha – tornando previsível a redução das licenciaturas em direito de 5 para 4 anos – propõe-se a criação de um período de formação pós-universitária, com a duração de cerca de um ano lectivo, destinada a todos os licenciados em direito candidatos ao exercício de profissões forenses, a organizar pelo Centro de Estudos Judiciários e pela Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados. A sua frequência com aproveitamento seria condição de admissão à formação profissionalizante de magistrados e advogados.
É sabido estar já em funcionamento um Grupo de Trabalho para preparação de tal reforma do nosso ensino universitário, sendo que as características desse ensino não são nem poderiam ser, naturalmente, irrelevantes para a determinação dos objectivos e conteúdos de uma subsequente formação profissionalizante.
A este propósito, na intervenção efectuada no Colóquio Internacional sobre Formação nas Carreiras Judiciárias (3 de Outubro 2003) - recentemente publicada em brochura pelo SMMP - afirmou o ilustre membro daquela comissão, Prof. Doutor Gomes Canotilho:
«A nossa tese fundamental será esta: a formação dos magistrados não é indissociável da formação dos juristas em geral. Precisamente por isso devemos perguntar-nos se, a montante da “crise do judiciário” não haverá “outra crise” tanto ou mais profunda que a da formação dos juízes.” (…)
«O problema reside, por um lado, na formação académica. Sabemos bem que o ensino não substitui os estágios profissionais e os estágios não substituem a vida. No entanto, deve perguntar-se se a qualificação profissional não depende, desde logo, de uma formação académica adequada. Neste contexto, observou-se acertadamente que, no plano da metodologia e das teorias metódicas ensinadas nas faculdades, se verificam duas transferências dos métodos e teorias para fora da realidade: (1) a metodologia e a metódica do caso pretende ter uma qualquer conexão com a prática mas raramente com a prática judicial; (2) a teoria dos métodos e as teorias jurídicas transferem para as teorias e, consequentemente, pouca influência podem ter quer na formação quer na prática judicial.»
Quanto aos objectivos e contornos da entrevista actualmente prevista na Lei do CEJ, a efectuar pelo (júri assessorado por) psicólogo – e que é efectuada após admissão às provas orais – os factos relevantes constam já de comentário ao post InFormação. E os factos são escassos! Não será também o debate sobre a necessidade de avaliação psicológica dos candidatos e, sendo esta tida como necessária, sobre os seus objectivos e termos em que deve ser feita (há tantas teorias e controvérsias sobre os métodos e sua eficácia…), um imperativo no momento em que se preparam alterações à Lei do CEJ?
O acesso ao CEJ não se reconduz,ainda que de um ponto de vista meramente formal exclusivamente à fórmula exames; existe, na verdade, uma outra via (*): os doutores em direito entram directamente e com preferência sobre todos os demais candidatos. Importante seria, a meu ver, encontrar caminhos para alargar (melhor, criar, pois na verdade não há notícia de que algum doutor em direito se tenha candidatado ao CEJ…) vias de acesso alternativas e concomitantes à clássica fórmula dos exames, que permitissem uma diversificação da base de recrutamento para as magistraturas, que tem vindo a ser considerada desejável por muitos que se têm debruçado, com alguma profundidade, sobre estas questões (vide,por exemplo,as conclusões tiradas, em 2001, pelo Observatório Permanente da Justiça no âmbito do estudo encomendado pelo M.J.).
(*) os assessores que frequentarem com aproveitamento os Cursos para Assessores estão, por seu lado, dispensados das provas escritas; mas houve apenas um Curso de Assessores (por falta, desde logo, de base de recrutamento, uma vez que não tem havido, nos últimos anos, candidatos aprovados ao ingresso no CEJ mas sem vaga) os quais, creio que na sua totalidade, ingressaram já nos Cursos de Formação para magistrados.
Do meu ponto de vista, seria lamentável que, numa matéria tão determinante para o bom funcionamento do sistema de justiça, se fizessem alterações apressadas (note-se que o 1º Curso de formação abrangido pela actual Lei do CEJ se iniciou apenas em Setembro de 1998), quiçá determinadas por questões de mera conjuntura e/ou corporativas e que, por um lado, se mostram alheadas dos principais problemas já identificados nos métodos de selecção e recrutamento e, por outro, a breve trecho se poderão revelar desajustadas até da evolução do sistema de ensino universitário.
Liliana Palhinha
Ainda que timidamente, parece começar a enformar o debate sobre “selecção, recrutamento e formação de magistrados” que precisa ganhar verdadeiro fôlego, para o que se espera poderá contribuir a realização, no próximo dia 28, do Colóquio sobre Formação, a realizar na Póvoa do Varzim, no âmbito da Medel.
No post InFormação e respectivos comentários colocaram-se algumas questões extremamente importantes relativamente à selecção/recrutamento. Curiosamente (ou não!...), elas parecem ter passado completamente ao lado das preocupações da comissão que procedeu à proposta de alteração à Lei do CEJ (ver post"Formação divide Justiça").
A manter-se o número médio anual de candidaturas ao CEJ, não me parece viável admitir, na 1ª fase no CEJ sugerida por Til (necessariamente formativa, em meu entender), a totalidade dos candidatos em condições legais de admissão. Uma selecção ou pré-selecção destes logo à entrada parece-me, assim, inevitável.
Uma proposta que tem vindo a ser avançada em todos os debates que, pelo menos desde há um ano, têm vindo a ser feitos sobre este tema e que recebeu consagração consensual nas conclusões do Congresso da Justiça poderia, no entanto, contribuir em muito para a resolução deste problema.
Tendo em conta a necessidade de adequação do nosso ensino universitário aos princípios constantes da Declaração de Bolonha – tornando previsível a redução das licenciaturas em direito de 5 para 4 anos – propõe-se a criação de um período de formação pós-universitária, com a duração de cerca de um ano lectivo, destinada a todos os licenciados em direito candidatos ao exercício de profissões forenses, a organizar pelo Centro de Estudos Judiciários e pela Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados. A sua frequência com aproveitamento seria condição de admissão à formação profissionalizante de magistrados e advogados.
É sabido estar já em funcionamento um Grupo de Trabalho para preparação de tal reforma do nosso ensino universitário, sendo que as características desse ensino não são nem poderiam ser, naturalmente, irrelevantes para a determinação dos objectivos e conteúdos de uma subsequente formação profissionalizante.
A este propósito, na intervenção efectuada no Colóquio Internacional sobre Formação nas Carreiras Judiciárias (3 de Outubro 2003) - recentemente publicada em brochura pelo SMMP - afirmou o ilustre membro daquela comissão, Prof. Doutor Gomes Canotilho:
«A nossa tese fundamental será esta: a formação dos magistrados não é indissociável da formação dos juristas em geral. Precisamente por isso devemos perguntar-nos se, a montante da “crise do judiciário” não haverá “outra crise” tanto ou mais profunda que a da formação dos juízes.” (…)
«O problema reside, por um lado, na formação académica. Sabemos bem que o ensino não substitui os estágios profissionais e os estágios não substituem a vida. No entanto, deve perguntar-se se a qualificação profissional não depende, desde logo, de uma formação académica adequada. Neste contexto, observou-se acertadamente que, no plano da metodologia e das teorias metódicas ensinadas nas faculdades, se verificam duas transferências dos métodos e teorias para fora da realidade: (1) a metodologia e a metódica do caso pretende ter uma qualquer conexão com a prática mas raramente com a prática judicial; (2) a teoria dos métodos e as teorias jurídicas transferem para as teorias e, consequentemente, pouca influência podem ter quer na formação quer na prática judicial.»
Quanto aos objectivos e contornos da entrevista actualmente prevista na Lei do CEJ, a efectuar pelo (júri assessorado por) psicólogo – e que é efectuada após admissão às provas orais – os factos relevantes constam já de comentário ao post InFormação. E os factos são escassos! Não será também o debate sobre a necessidade de avaliação psicológica dos candidatos e, sendo esta tida como necessária, sobre os seus objectivos e termos em que deve ser feita (há tantas teorias e controvérsias sobre os métodos e sua eficácia…), um imperativo no momento em que se preparam alterações à Lei do CEJ?
O acesso ao CEJ não se reconduz,ainda que de um ponto de vista meramente formal exclusivamente à fórmula exames; existe, na verdade, uma outra via (*): os doutores em direito entram directamente e com preferência sobre todos os demais candidatos. Importante seria, a meu ver, encontrar caminhos para alargar (melhor, criar, pois na verdade não há notícia de que algum doutor em direito se tenha candidatado ao CEJ…) vias de acesso alternativas e concomitantes à clássica fórmula dos exames, que permitissem uma diversificação da base de recrutamento para as magistraturas, que tem vindo a ser considerada desejável por muitos que se têm debruçado, com alguma profundidade, sobre estas questões (vide,por exemplo,as conclusões tiradas, em 2001, pelo Observatório Permanente da Justiça no âmbito do estudo encomendado pelo M.J.).
(*) os assessores que frequentarem com aproveitamento os Cursos para Assessores estão, por seu lado, dispensados das provas escritas; mas houve apenas um Curso de Assessores (por falta, desde logo, de base de recrutamento, uma vez que não tem havido, nos últimos anos, candidatos aprovados ao ingresso no CEJ mas sem vaga) os quais, creio que na sua totalidade, ingressaram já nos Cursos de Formação para magistrados.
Do meu ponto de vista, seria lamentável que, numa matéria tão determinante para o bom funcionamento do sistema de justiça, se fizessem alterações apressadas (note-se que o 1º Curso de formação abrangido pela actual Lei do CEJ se iniciou apenas em Setembro de 1998), quiçá determinadas por questões de mera conjuntura e/ou corporativas e que, por um lado, se mostram alheadas dos principais problemas já identificados nos métodos de selecção e recrutamento e, por outro, a breve trecho se poderão revelar desajustadas até da evolução do sistema de ensino universitário.
Liliana Palhinha
3 comentários:
A igualdade no acesso não estará em exigir os mesmos requisitos para a entrada a quem está nas mesmas condições? Um jovem licenciado não está nas mesmas condições que um advogado ou jurista com vários anos de exercício profissional e currículo de mérito...
Mas podemos ir mais longe: deve o acesso às magistraturas limitar-se a licenciados em direito? Já há muito quem defenda que não. Voltarei ao tema.
Quanto aos doutores em direito: não creio que haja fórmulas para os motivar, nem me parece que seja pena - não é "dentro" do judiciário que o seu contributo para a boa administração da justiça será mais adequado ou relevante.
Reli um texto de Paul Ricoeur que, no meu entender, é importante para o tema em empígrafe. Vem em "leituras 1" (em torno do Político)ed.Loyola. A tradução em brasileiro não é má. Trata de "O justo e o Legal" e, ainda, dos "princípios de justiça na prática judiciária". A Feira do Livro pode ser uma boa ocasião para relembrar a reflexão deste importante filósofo.
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