De O Primeiro de Janeiro de hoje:
“(...)A eleição para o cargo de presidente do Conselho Superior de Magistratura está correcta, mas falece-lhe legitimação (...)”. Este é um dos muitos pensamentos com assinatura reconhecida, com que hoje lhe aguçamos o apetite para a entrevista de fundo, amanhã no suplemento Justiça e Cidadania.
Maria José Guedes
Como vê o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça?
Impõem-se alterações profundas ao sistema vigente, designadamente quanto à composição do júri e formas de apreciação. (...) Os Juízes o STJ deveriam ser nomeados pelo PR e não pelo CSM que é apenas um órgão de gestão da magistratura judicial, mas deveria ficar de fora relativamente aos conselheiros. O concurso pode continuar a ser curricular, mas caldeado pela apresentação de uma tese, à escolha do concorrente e que os candidatos defenderiam publicamente ante o júri. Isto, ou outro método, claro, tornaria muito mais transparente o concurso, admitindo-se – o que é uma heresia para os magistrados – que qualquer cidadão pudesse candidatar-se a juiz do STJ. Questão é apenas a de ter as necessárias habilitações, seja ou não magistrado ou jurista de papel timbrado.
A eleição para presidente do STJ parece-lhe estar a ser feita nos moldes mais correctos?
A eleição está correcta, pois se faz segundo a Constituição da República (CRP). O que não tem sentido nenhum é que se faça como se faz, sendo o presidente do STJ, simultaneamente, a 4ª Figura do Estado Democrático, presidente do STJ, presidente do CSM e presidente do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Falece-lhe legitimação, valoração da legitimidade para tantos cargos e é até difícil, no Estado, encontrar alguém com tanto poder.
A ministra da Justiça anunciou um subsídio para os Juízes que trabalhem em dias feriados, ou noutras situações que não previstas. Parece-lhe bem?
A ministra anunciou e a AR já cumpriu com a Lei nº2/2004, de 12 de Maio, no seu artigo 7º, com fundamento no serviço prestado fora do tempo normal de serviço, em círculos judiciais que se encontrem fora daqueles onde o magistrado presta, normalmente, o seu serviço. Isto teve em vista o futebol e eu sou suspeito porque para mim o dito não passa de uma doentia alienação.
Penso, e os meus colegas vão ficar furiosos, que os magistrados estão sempre de serviço, exactamente por pertencerem a um órgão de soberania, os tribunais. Não podem ser uma coisa e não ser. Daí que também penso que essas remunerações só traduzem, por banda do poder político, a má consciência do mal que pagam aos magistrados que, como se sabe, não podem exercer outra actividade remunerada a não ser a sua profissão. A questão é a de que, hoje, os juízes e o Ministério Público vivem, em termos remuneratórios, uma situação de congelamento de salários que remonta ao 1º governo de Cavaco Silva. Se não tivessem feito isto, a tal lei, bem poderiam esperar sentados pelos magistrados para os julgamentos.
O que faz falta à nossa justiça?
Se alguém me ler, pode ver o que faz falta na obra coordenada pelo Dr. Antonio Barreto, no trabalho da equipa do Prof. Boaventura Sousa Santos e numa obra que reputo magistral de Antoine Garapon, a Justiça e O Mal.
Comungo muito do que diz João Caupers na obra de António Barreto. À Justiça sobram mais coisas do que as que lhe falta. Sobram centenas de milhares de processos, dezenas de milhares recursos, sobram decisões infindas que, ao tratar de um crime de ofensas corporais, vão buscar “fundamentos” ao Código Visigótico Desafio-a a encontrar uma sentença que não tenha, ao menos uma ou duas dezenas de páginas. Mais de metade daquilo é inútil. Mera erudição gratuita. O Tribunal das Comunidades resolve uma questão entre estados em duas ou três páginas.
À JUSTIÇA, segundo suponho, falta um novo paradigma, um novo modelo em que prepondere a oralidade, em desfavor do inquisitório e que acompanhe as novas tecnologias, não apenas para fazer cópias e transcrições, mas antes aproveitamento as sua potencialidades em favor do cidadão que é para isso que o sistema judiciário existe. É imperioso definir – e isso cabe ao poder político – se o sistema judiciária deve sujeitar-se a um lógica de eficácia ou de justiça e encontrar um equilíbrio adequado ente os dois pontos: justiça/eficácia. Porque tudo isto tem que ver, por um lado, com os direitos dos arguidos, por outro com os direitos da vítima, no caso do direito criminal.
Depois, e já tocámos nisso, impõe-se dar atenção séria à formação dos magistrados, advogados e funcionários do sistema. Sem saber, sem deontologia, sem consciência, sem uma grande dose de pragmatismo e sem humildade, por estes agentes, não vale de nada fazer reformas: fica tudo na mesma.
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Quem é...
Alberto Pinto Nogueira, Procurador-geral da república no Tribunal da Relação do Porto, nasceu em 26/04/47 e é natural de V. N. de GAIA.
Filho de pais operários, foi bolseiro da F. C. Gukbenkian no liceu e faculdade.
Licenciado em direito pela Faculdade de Direito Da Universidade Clássica de Lisboa, foi delegado do procurador da República, juiz de direito, procurador da República, procurador-geral adjunto. Exerceu funções na Alta Autoridade Contra a Corrupção.
1 comentário:
Seviço Público ...
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