17 junho 2004

Retrato de Jeanne Hébuterne


Retrato de Jeanne Hébuterne,
Por Modigliani



“Le 25 janvier 1920, il meurt à l’hôpital. En appre-
nant sa mort, Jeanne Hébuterne qui attendait un au-
tre enfant se jette du cinquième étage par la fenêtre.”

Claude Roy, Modigliani


O pintor usa o azul e o castanho. (No momento em
que o fino pincel passou
pelos seus olhos, amava-a ainda?) Devagar o óleo
derramou-se pelos contornos e descai
para ali formar o princípio tão simples do vestido,
onde nasceu
uma cabeça erguida entre as sombrias flores da
morte.
!Ah! a determinação daquele olhar…” – dirás, ao
surpreender
a tela um pouco inclinada na parede, enquanto a sua
sombra
descia calma sobre o teu espírito – e os lábios?...
Ficaram para sempre
imóveis, porque neles se esconde a voz imaginada de
Eurídice
quando, nos lugares do inferno, recebe apenas a
penumbra do tempo;
Orfeu abandonou-a; os cabelos do sol desprendem-
-se e chega a noite,
a falsa luz da noite. Era esse o seu destino”. E depois
de citares
um mito, sentes a sua dolorosa cicatriz, a enfermidade
dos teus pensamentos que se comprazem na serena
imobilidade de um quadro
que não te pertence. Ah! fecha um pouco os olhos…
Guiado pela memória
imagina, noutro espaço, o azul e o castanho.
Representa uma Eurídice inexistente
que te chama e faz com que o seu olhar se cruze com
o teu para sentires
a morte e o amor. – Assim, ó pobre contemplador de
quadros, serás idêntico a Orfeu
e compreenderás como se demorou o fino pincel
através das pálpebras
ao deixar ali a sua luz dividida, a rosa do olhar sob
os ramos floridos do céu,
o teu nome agora inteligível naqueles lábios, para
que saibas perder tudo…

Fernando Guimarães, Como lavrar a terra



Contributo de Ifigénia

Sem comentários: