"Seja como for, quando dois faladores se deparam, frente a frente, num grupo, numa assembleia, numa festividade, é mais que certo tentarem interromper-se um ao outro.
O que arrebata a palavra, aproveitando qualquer distracção ou má gestão dos tempos, exulta e parte à desfilada. O outro fita o olhar, rancoroso, procura apoios à esquerda e à direita, tenta infiltrar-se pelos interstícios, a ansiedade exprime-se-lhe nos lábios muito abertos, na visagem, turvada de ódio, nas mãos crispadas, prontas a esganar.
Não consegue penetrar? Minimiza o adversário, finge que não houve, torna-se subversivo, emite apartes, capta a atenção de um, sussurra para outro, distrai um terceiro, vai lá fora e fica a espreitar, tenebrosamente, por entre portas.
Mas quando chega a oportunidade e o adversário se calou, por uma fracção de segundo, para apanhar a bengala de um idoso que entretanto adormeceu, ei-lo que regressa, levanta ambas as mãos e retoma a arenga, com o outro pasmado, ainda de bengala na mão, olhos fumegantes a prometer sevícias e a murmurar para o tal velhote:
«O que aqui vai de verborreia! O gajo não se cala, hem?»"
Mário de Carvalho, in "Fantasia para dois Coronéis e uma Piscina", pág. 26
22 de Junho, 18H00 - CEJ - 3ª sessão do II Ciclo Justiça e Literatura
MÁRIO DE CARVALHO à conversa com ANTÓNIO HESPANHA
encenação de excertos do livro "Fantasia para dois Coronéis e uma Piscina" por alunos da Escola Superior de Teatro e Cinema
1 comentário:
Mário de Carvalho é imperdível. Por mim continuo a preferir o "Livro grande de Tebas..." e "Um Deus passeando..." às suas produções mais recentes, mas tenho pena de não poder ir...
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