07 julho 2004

Ameaçados pela berlusconização

Berlusconi tornou-se num símbolo de sucesso da política espectáculo. Estamos ameaçados por um tempo de berlusconização. Com este conceito podemos definir um estilo de fazer política com três características: no plano moral, ausência dos princípios universais da consciência rigorista. Em seu lugar, ficou a subordinação à vida pulsional: tudo vale para satisfazer espectacularmente a curiosidade, o prazer e os desejos. Esterilizados os valores, o mais importante é o "self-service" da "se(x)dução" de que os "reality shows" são o modelo paradigmático. No plano político, indiferença pelo bem-comum, despreocupação em relação ao futuro e esvaziamento da legitimidade das instituições. De acordo com o que se passa no plano moral, a política tornou-se num espectáculo desideologizado, onde todos se repetem nos mesmos jogos de hipocrisia. No plano económico, surgiu o darwinismo empresarial. O modelo ideal do sucesso empresárial é desprivatizar, desempregar, estabelecer contratos precários, receber subsídios e não pagar impostos.
Os factores que desenvolvem as condições da berlusconização são também três: no plano político, perda das preocupações de rigor e de ética. Os partidos enredaram-se nos jogos aparelhistas, abafaram a consciência critica, não são um modelo do exercício da democracia e tornaram-se nos espaços de “má fama”, do oportunismo e da mediocridade. No plano da cidadania, desapareceu o conceito de cidadão como alguém que tem direitos e deveres democráticos, que coloca exigências de justiça e aspira a desempenhar um papel relevante na construção de um país capaz de minimizar o sofrimento dos mais desprotegidos. Já não há cidadãos, mas telecidadãos que, depois de colocarem a bandeira nacional na varanda, sentam-se num sofá e ficam seduzidos pelo sucesso de um berlusconi (homem do futebol, dos negócios imobiliários, do "vale-tudo")que lhes é servido numa telenovela. Que importa que se diga que o sucesso de Berlusconi foi feito sem ética, que há suspeitas de ter o patrocínio da máfia, que é acusado de corrupção ou de branqueamento de capitais?!... O trabalho, a honra e a dignidade estão, neste país, desvalorizados. No plano do sistema educativo, desapareceu a autoridade e o prestígio do mestre e o ensino é feito de laxismo e facilitismo que vai comprometendo o próprio futuro das gerações que o frequentam.
Perderam-se as referências na escola, na família e na política. Faltam líderes, uma elite do pensamento crítico, reformas profundas no sistema político e partidário e um sistema de ensino e de justiça rigoroso e célere.
Se o Presidente da República não corresponder às expectativas que dele criamos, o lodaçal aumentará e o nosso tempo, tempo dos pós-modernos, vai afirmar-se como o tempo da "berlusconização" do país.

4 comentários:

Primo de Amarante disse...

Se toda a critica é inconsequente, o melhor é fazer do Paulo Portas Presidente da República.

Primo de Amarante disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Primo de Amarante disse...

Compadre carteiro: lembra-se daquele "discurso" que duranre anos ouvimos: "Ferreira Torres é muito mau, mas não sabemos se é melhor quem vier a seguir!"
Foram 20 anos a agravar a situação, em todos os domínios. E ficou-nos muito caro!
Se não acreditarmos na democracia, o que nos resta?!...Se somos só consequentes com a inconsequência da crítica, para que serve a crítica?!...

Primo de Amarante disse...

Caro amigo carteiro: O facto de "nunca ouvir esse discurso", não transforma esse "facto" numa regra geral. Esteve distraído. E repare que se não fosse (infelizmente) verdade o que eu referi, o meu amigo seria hoje o Presidente da Câmara do Marco.