17 julho 2004

Dez Réis de Esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela.
Não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam.
Essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto.
Se não fosse a fome e a sede
dessa humanindade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue. 
 
António Gedeão

3 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Bem (re)vindo... aqui terá sempre quem, ao seu ring ring, lhe abra a porta!

Já agora, para o caso de não ter visto (mas até parece que viu): dediquei-lhe um poema em comentário ao post do Compadre (A função da palavras).

Zu disse...

Ora cá está o caríssimo Carteiro! E com uma bela carta. Beijo.

Kamikaze (L.P.) disse...

Mais um miminho em comentário ao seu post "Sem equívocos; com amizade".

(lamento não estar a conseguir lidar com os espaços nos comentários: aparecem quando escrevo e desaparecem quando o comentário é colocado no blog!)