14 julho 2004

"PODERZINHOS" (não confundir com podrezinhos)

Com grande vénia (não se é venerável ou venerando em vão), aqui fica o postal de Alberto Pinto Nogueira na edição de hoje da SuperLoja:

Quem ler - e um dia talvez de me dê ao trabalho de publicar para consumo interno - a deliberação do Venerandíssimo Conselho Superior da Magistratura (CSM) relativa ao último concurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se for intelectualmente são, não pode deixar de se sentir atonizado por um profundo e genuíno estupor.

Como ora denunciam os juízes candidatos a esse tribunal, o CSM não faz um mínimo esforço sério para explicar, e muito menos justificar ou fundamentar, as conclusões a que chegou. O CSM limita-se a adjectivar, a apontar a classificação universitária e a copiar o que se encontra na nota biográfica dos candidatos. Não está lá, quer o VENERANDO queira, quer não, um só argumento de facto, um só argumento técnico, um só argumento científico que justifique a razão pela qual certo candidato é o 2º e não o 68º.

Daí que se compreenda o desalento, a revolta de quem ora protesta. Com razão. Na democracia, não basta ser poder com fundamento na Constituição. Impõe-se que o "poder", nos seus actos e decisões se justifique. Não somos servos, somos cidadãos E os juízes candidatos ao STJ são, eles também, cidadãos, não podendo, como é apodíctico , estar sujeitos a um concurso em que as regras democráticas se não encontram nas decisões do tal VENERANDO.

Não me atrevo, sobretudo para não cair na alçada das ameaças (!?) do CSM a dizer que há razões políticas e sindicais que desvirtuam as regras. São os juízes que o dizem..., mas que é isso que se diz nos corredores é. O lamentável, profundamente lamentável, o triste, profundamente triste, é que o CSM, ante o desespero e desgosto dos juízes, venha publicitar ameaças, à maneira do antigamente. O CSM ainda não captou a essência da democracia, a essência da vivência democrática, não percebeu que a democracia dessacraliza tudo, e ele, CSM, também. Hoje, no mundo de transformações a cada minuto o CSM está na pré-história, não percebeu que a ameaça não é método. O Venerando CSM tem uma coisa muito simples a fazer: respeitar as regras e fundamentar as decisões que toma, coisa a que não está avezado.

Como não seguirá nunca esse caminho, mais tarde ou mais cedo, será, felizmente, despido de poderzinhos que tem. E, também aí, os valores democráticos, muitos deles, que não o formalismo da Constituição ( e a substancia constitucional, Venerando?) vencerão. É da história que Vxªs Excªs ignoram.

Alberto Pinto Nogueira

1 comentário:

Kamikaze (L.P.) disse...

Ainda sobre este tema, conviria recordar as palavras de Aberto Pinto Nogueira, em entrevista ao Público, no dia 10 de Maio, mas o link parece estar indisponível.
Como nota pessoal sublinho a necessidade de este debate sobre os «critérios» de graduação dos concorrentes magistrados ao STJ não poder passar ao lado de outra questão fundamental no acesso ao STJ, já salientada por APN na referida entrevista, questão também referida, por exemplo, por Luís Felgueiras, presidente do SMMP:
"A prática do sistema assenta na concepção de que o Supremo Tribunal de Justiça é o terminus previsível de uma carreira ao serviço da magistratura. Julgo que isto deveria ser repensado. Tratando-se do mais alto tribunal judicial, indispensável para a garantia da boa justiça em Portugal, vê-lo apenas como um lugar de carreira não parece mais ser a ideia mais conforme com a Constituição (art.º 215) nem com a experiência dos supremos tribunais de outros países."
Acrescenta ainda Luís Felgueiras:"Depois, seria bom rever, também, as oportunidades de acesso. Actualmente podem participar nos concursos curriculares os juízes desembargadores, colocados no quarto superior da lista de antiguidade, os procuradores-gerais adjuntos e os juristas de mérito. Por agora, só há conhecimento de um jurista de mérito, não magistrado, que tenha alcançado o estatuto de juiz-conselheiro; e é pena, já que o STJ só teria a ganhar com o contributo de outros jurisconsultos eminentes. Quanto aos procuradores-gerais adjuntos, só podem concorrer os que tiverem mais anos de carreira do que o mais moderno juiz desembargador colocado no quarto superior da respectiva lista de antiguidade. Após estarem definidas as graduações, entra no STJ um procurador por cada três juízes. Sobre a realidade actual, creio que o Conselho Superior da Magistratura deveria preocupar-se em publicitar os critérios usados na avaliação dos candidatos, de modo a que ninguém possa questionar a transparência das decisões. Com isso se reforçaria não só o mérito das pessoas mas também a credibilidade do STJ."
Outras posições mais ou menos coincidentes e outras nos antípodas podem ser lidas no DN de ontem, como já referido por LC no post "CSM sob suspeita criminosa".