1. Ainda bem que O Independente publicou a transcrição das gravações telefónicas que fizeram cair Adelino Salvado. E ainda bem, porque, se aquilo que li e reli nas páginas do jornal é o mais importante de tantas horas de conversas gravadas por Octávio Lopes, não se justificava tanto aparato e tantas especulações como as que foram germinando nos últimos dias. Pensei que era bem pior. O que não que dizer que não seja mau.
2. Parece evidente que Adelino Salvado violou o segredo de justiça e só o não terá feito de forma mais veemente porque, como resulta das transcrições, sabia pouco do processo. Atendendo à sua incontinência verbal, até onde teria ido se conhecesse o processo em profundidade?
3. Não me parece, apesar de tudo, que Adelino Salvado tenha agido motivado por qualquer intenção cabalística, mau grado ser notório que não estava muito pesaroso pelo indiciado envolvimento de Ferro Rodrigues no processo.
4. Apesar de tudo, o envolvimento pessoal de Adelino Salvado nesta novela, justifica o seu afastamento de responsável máximo da PJ.
5. Sara Pina também me parece ter violado o segredo de justiça, embora de forma menos grave que Salvado.
6. Parece óbvio que, ao contrário de Salvado, Sara Pina tinha um razoável conhecimento do processo. E parece também óbvio que disse muito menos do que sabia. O que não basta para desculpar o que disse. Ainda que o disse não seja assim tão excitante.
7. Sara Pina é assessora ou porta-voz da PGR?
8. A distinção tem alguma importância. Se é porta-voz, o seu comportamento é mais grave, porque é suposto que um porta-voz fale em nome de alguém.
9. Mas parece também claro que Sara Pina disse mais do que aquilo a que estava autorizada. O diálogo permite concluir que em determinada altura Sara Pina estava preocupada com o que pudesse acontecer na segunda-feira seguinte, caso as informações ao "CM" fossem associadas a fonte da Procuradoria. Uma leitura atenta das transcrições permite ajuizar que Sara Pina temia as consequências que a associação poderia acarretar-lhe no seio da Procuradoria.
10. O tom das revelações de Sara Pina em lado algum indiciam uma postura que dê corpo à tese da cabala.
11. Os excertos das conversas, por si só, não bastam para perceber o contexto em que as mesmas decorreram.
12. Se o que vem relatado em O Independente é tudo o que houve de violação de segredo de justiça do lado da acusação, é demasiado curto para alimentar tantas páginas de jornal e tantas horas de rádio e televisão.
13. E onde estão os relatos de conversas com pessoas ligadas à defesa? Não existiram essas conversas? Não foram gravadas? Não interessa transcrevê-las?
14. Questão fundamental: Adelino Salvado deveria cair pelo que disse? Parece-me que sim. Souto Moura deve cair pelo que disse Sara Pina? Parece-me que não. A avaliar pelo transcrito, nada indicia que Souto Moura tivesse instigado ou sequer tivesse conhecimento das declarações de Sara Pina. Bem pelo contrário. De resto, é notório que toda esta trama visa atingir Souto Moura. E, através dele, matar o processo Casa Pia.
13 agosto 2004
As transcrições
P.S.1: Não conheço Souto Moura nem nenhum dos envolvidos nesta novela. Mais rigorosamente, falei uma vez ao telefone com Octávio Lopes, sobre outros assuntos. Acho que Souto Moura, quando confrontado pelos jornalistas, desliza facilmente com o pé para a poça. Mas isso não basta para pedir a sua cabeça. Nem para dar cabo de um processo em que se joga muito do crédito da Justiça e do futuro do país.
P.S.2: Tal como já disse aqui uma vez, e muitas vezes noutros sítios, assusta-me a forma militante como o processo Casa Pia tem sido acompanhado: há quem seja cegamente contra os arguidos e há quem seja cegamente a favor dos arguidos. Com este clima, não espanta que mesmo os mais avisados jornalistas, magistrados, polícias, funcionários e advogados se sintam condicionados. O que é o primeiro passo para cometer erros.
P.S.3: Defendo que este caso deve ser investigado até às últimas consequências. Em primeiro lugar, porque é o bom nome da justiça que está em causa, como está em causa o bom nome de alguns cidadãos que, por acaso, até têm relevo na vida do país. Em segundo lugar, porque, tanto quanto sei, fui o primeiro jornalista a ser julgado (e absolvido) em Portugal sob a acusação de ter violado o segredo de Justiça. E aí o Ministério Público foi implacável, não foi Senhor PGD?
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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9 comentários:
Discordo de si , meu caro carteiro.Mas não em tudo.
Concordo por exemplo em que o inenarrável Salvado já há muito deveria ter sido corrido. E as gravações transcritas só o vem provar.
Quanto a ele ter violado o segredo de justiça, pelo que veio a lume, acho que não violou. Palrou como o papagaio: de cor e após ter ouvido de outrém, a lenga lenga.
Mas ele era director da PJ e foi nessa qualidade que o jornalista lhe telefonou e ele, até certo ponto , falou. Demais, segundo o que ouvi, mas apensa atentando contra as regras do elementar bom senso. Fazer futurologia como o cargo do Ferro Rodrigues e discorrer sobre política, não parece avisado num telefonema a um jornalista que o tinha como fonte de informação. Foi despedido e muito bem,mas já o devia ter sido há mais tempo e por coisas muito piores. Tenho para mim, que o apoio que lhe davam, era das bandas do PP, com a Celeste e o antigo bastonário ( outro inenarrável ).
Quanto à Sara Pina, a questão é que ela é assessora de imprensa ( faz parte do Gabinete de Imprensa da PGR). Uma assessora faz o quê? Recorta jornais?
Não me parece que ao falar com jornalistas violasse qualquer dever de reserva ou de outra natureza. Até lhe era exigido e exigível, a meu ver que falasse mais e melhor com os jornalistas! É esse, a meu ver, a raiz do mal da falta de comunicação nas instituições judiciárias. Fecham-se em copas, julgando que falar demais é protagonismo e depois...há disto. Nunca mais aprendem...e temo que nem desta vez isso aconteça. O que vai acontecer, a meu ver, é fecharem-se mais em copas e não darem informação ao público, através dos jornais. Isso, para mim, é mau. Ponto final.
Se a Sara Pina vilou o segredo de justiça? A própria PGR esclarecer hoje em comunicado que talvez não. Como ela não tem acesso a processos, não pode violar em termos criminais, parece-me. Ou pelo menos, pode violar tanto como nós aqui ao escrevermos o que ouvimos aqui ou ali.
O problema principal reside algures: atirar ao Procurador Souto Moura, valendo-se de tudo. O segredo de jultiça tem servido como arma de arremesso vergonhosa. Imputa-se-lhe a responsabilidade dessa violação e da sua não descoberta.
Os advogados de defesa, quanto a mim, estão fartos de violar esse segredo, sempre que falam do processo, no fim ( ou início) de qualquer diligência. Dizem abertamente o que se passou e como respondeu o arguido A ou B e o que lhe perguntaram.
O único que não o fez até agora, foi o Nabais. Mas sobre este, o Salvado também fala...ahahahah!
Ah! É verdade e já me esquecia:
Não foi Você, caro carteiro, quem esteve num estúdio de rádio, na Guarda, em certa altura que o MP irrompeu e prendeu uma radialista, sob a imputação de violação de segredo de justiça, praticado em flagrante, pois não?
Acho que foi esse o/a primeiro/a jornalista preso/a e julgado/a- e depois absolvida- por isso.
Concordo consigo, José.
Mas à opinião pública - intoxicada ou não - o que interessam estes meandros jurídicos (violou ou não violou, até porque não podia violar?). Falou e pronto!
Fala-se muito de responsabildade política dos dirigentes políticos, para além daresponsabilidade jurídica, ou não fala? Fala e bem.
Será que aqui o caso é muito diverso? Não creio e lamento que o comunicado DA Procuradoria Geral da República denote que naquela caso não se entende isso. à mulher de César não basta sê-lo, é preciso parecê-lo.
Em suma, parece-me que o PGR - que continua de férias - está a facilitar MUITO a vida de quem o quer TRAMAR! Nada de novo, pois não, José? Enfim...
Pois continua. Não quer ser político. Estão a fazer-lhe a cama, abertamente, e ele a ver, julgando que não é nada com ele. Se calhar até prefere. Imagino o desgaste a que se sujeita e o nojo que algumas coisas podem provocar. É natural que queira fugir deste pântano em que os do bloco central dos interesses querem transformar Portugal.
Sabe-se muito bem quem é o inimigo neste caso. Não tem rosto visível, mas tem um perfil já delineado.
Mas apesar de tudo, acho que o PGR tem ainda um trunfo: o seu contacto privilegiado com o Presidente da República.
E acho que no seu devido tempo deveria usá-lo.
Oh José, o PR está mas é mortinho para xutar o PGR para canto! Não podia ser feito no decurso do Proc. Casa Pia, a não ser que...
Pois, caro carteiro, vejo que defende uma interpretação da lei sobre a violação de segredo de justiça, masi radical do que a minha.
Em tempos critiquei o conselheiro A. Costa e o constitucionalista Vital Moreira por defenderem o mesmo radicalismo e tentei mostrar-lhes onde levava esse caminho estreito de interpretação restritivíssima.
Critiquei, se calhar estultamente,(reconheço que ambos são muitissimo melhor juristas do que eu jamis serei), por entender que a actual lei sobre o segredo de justiça já é, por si e na actual redacção do artº371 do C.Penal, demasiado apertada nos termos em que foi escrita para que ainda por cima, alguém lhe ponha ainda mais arreios do que já tem.
A lei diz:
" Quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça(...)"
O problema começa logo no "Quem" e a seguir vem o maior engulho do "ilegitimamente". Para mim, só será "ilegítimamente" se houver VINCULAÇÃO de alguém a esse segredo.E QUEM é que está vinculado? Um escriba de blog que não tem relação ou acesso ao processo estará vinculado? Na sua interpretação até poderia entender-se que sim, a partir do momento em que o escriba toma conhecimento por qualquer via, do conteúdo de matéria que saberá estar em segredo.
Car carteiro: será isso que pensa?!
Se for, terei de lhe reconhecer coerência- e ao mesmo tempo deve recusar-se escrever sobre qualquer assunto que esteja em segredo de justiça.
Se não for, dê a sua opinião livre e descontraída que perante o seu equilíbrio nas análises será lida com muito prazer.
Escusado será dizer que para mim, o segredo de justiça vincula os investigadores e quem tenha tomado conhecimento do que se passa no processo, por nele ter intervindo a qualquer título.
Fora disso, é terreno livre e fora de reserva.
Se um jornalista adquire a notícia através de um investigador, seja ele polícia, funcionário, advogado, testemunha, arguido ou o próprio magistrado, entendo que esses intervenientes violoaram o segredo de justiça. O jornalista, entendo que não. Se isto fosse tão líquido e preciso não seria necessária a lei que recentemente fizeram passar na A.R. a penalizar a actuação do jornalista, vinculando-o ao segredo de justiça: bastava a que existe ou até um acordão iniformizador de jurisprudência. Não foi isso que sucedeu e por isso também defendo a minha dama, no sentido de restringir ao máximo o âmbito do segredo de justiça - aos intervenientes processuais.
Admito estar enganado, porém, não estou sozinho e perante os dois valores em confronto, dou mais valor à liberdade de expressão.
PS. Eu sei que não esteve na Guarda. mas não sabia que tinha sido o herói da denúncia do bas fond portuense, no início da década de 80. Subiu, por isso, na minha consideração.
José,
relativamente à sua "esperança" em Sampaio para "segurar" Souto Moura, parece-me mais plausível o que vem relatado no Público de hoje:
"Sobre a controvérsia que agora envolve a PGR, o PÚBLICO sabe que Belém considera a situação muito grave, mas Jorge Sampaio não falará sobre o assunto antes da próxima segunda-feira, dia em receberá o PS. A gravidade da situação é reconhecida em Belém, mas contra a exoneração de Souto Moura pesa o facto de, a poucos meses do início do julgamento do caso Casa Pia, ser decapitado o responsável máximo pela investigação.
Todavia, a Presidência da República aguarda ainda uma reacção mais explícita do procurador-geral relativamente à eventualidade de se estar perante a violação do segredo de justiça por parte da porta-voz da PGR. Fontes de Belém não gostaram do comunicado emitido pela PGR ontem à noite, uma vez que o seu conteúdo revelou-se incipente atendendo à gravidade da situação. Nessa nota, o gabinete de Souto Moura refere que Sara Pina "não tem aceso aos processos", pelo que as conversas que manteve com o jornalista advêm do "cruzamento de informação" que terá obtido "pessoalmente".
Caro carteiro:
Conheço essa polémica porque o assunto tem sido discutido no âmbito deste malfadado processo.
COntudo, não vou argumentar aqui - porque demoraria e não tenho arcaboiço intelectual suficiente para rebater todas as teses num sentido ou noutro. Só vou colocar um ponto nesta troca de impressões:
Se a lei estivesse assim tão bem redigida e clara e se a conjugação do artigo do Código Penal fosse perfeita com a do Código de Processo Penal ( qual prevalece, afinal? A lei substantiva ou a substantivada pela lei adjectiva do processo que alarga a previsão para além dos limites do C.P.?), repito, se tudo estivesse bem feito pelos nossos supremos juristas de Coimbra, havia necessidade de estarmos a discutir e os juizes a dilucidar interpretações? Haveria necessidade, afinal, de fazer nova lei para incriminar de facto os jornalistas?
Afinal se já existe incriminação para quê outra lei com o mesmo fito?! O direito sistematizado tem que ter coerência e lógica e ainda por cima quem fez a lei substantiva também fez a adjectiva - aliás são sempre os mesmos génios de Coimbra- por isso que autoridade terão eles para vir agora defender uma ou outra interpretação se foi preciso andar a partir pedra legal e a fazer outra lei nova para esclarecer o assunto?!
São estas questões que me chateiam neste sistema de génios instituido há anos em Portugal. O prof. Figueiredo Dias quando lhe põe estas questões fica sempre abespinhado e não compreende a ignorância dos profanos. Para ele, o génio é indiscutível e o atrevimento de josés ou outros que escrevem aqui, deve ser do mais desprezível...No entanto, a realidade ultrapassa-o sempre pela esquerda baixa e deixa-o a falar sozinho e amargurado.
POr exemplo, tem algum sentido que as declarações prestadas em Inquérito pelos arguidos, perante magistrados, nada valham em sede de julgamento?! São várias pessoas a reclamar contra isto há anos e anos. Há casos escandalosos de absolvições forçadas por causa disso. O lente alguma vez se mostrou sensibilizado para alterar tal coisa?!
Quando aumentaram as molduras penais de certos crimes graves, em 1995, o mesmo lente rasgou as vestes em entrevistas ( ao O Diabo, um dos poucos que o vai ouvindo) e declarou: matem-nos! Isto é resposta que se dê?!!
Estou farto!
Por exemplo
Curioamente o A. Salvado, na entrevista ao Expresso do sábado passado, vem dizer que uma das alterações a fazer necessariamente no Proc. Penal é a relativa à validade probatória, em julgamento, dos depoimentos prestados em inquérito perante o MP. Alguém me pode informar se o desembargador já tinha tinha ouvido defender isso antes?
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