05 agosto 2004

A Justiça ao pequeno almoço

O “Público” por hábito, o “Diário de Notícias” por ter ouvido no Jornal da Manhã que tinha uma manchete sobre o Ministério Público, foram as minhas primeiras leituras da manhã de ontem, ao pequeno almoço, à sombra de um jacarandá que finalmente se resolveu assumir como árvore.

Comecei pela notícia anunciada na 1ª página do DN: “O Ministério Público em ruptura – Procurador-geral pediu ao Governo mais 182 magistrados e 242 funcionários”. E segui para a que, na mesma página, tinha o título “Sindicato dos Magistrados queixa-se de marginalização”.
Não conheço o documento, os seus pressupostos, pelo que não pretendo assumir uma opinião sobre o seu conteúdo, embora um debate (anunciado mas ainda não concretizado pelo SMMP) sobre a organização, métodos de trabalho e a gestão de quadros do MP me pareça ser uma coisa urgente. Mas, a acreditar no que dizem as notícias, duas preocupações me vieram de imediato à cabeça.
A primeira resulta de a elaboração e aprovação do documento pelo Conselho Superior do Ministério Público não ter sido um processo internamente participado, o SMMP não ter sido consultado e também de ter tido dele conhecimento pelos jornais (pensei ainda que pudesse estar no site da PGR, mas verifico que a última informação disponível do CSMP é de Março de 2004). É que estou de saída de uma instituição – o Centro de Estudos Judiciários – em que a teimosa recusa em difundir a informação tem sido, mais do que a insuficiência de meios, um decisivo factor de perturbação e desmobilização internas.
A segunda resultou de me lembrar que a lei que autorizou os Cursos Especiais destinados aos substitutos de procurador-adjunto está em vigor até ao final deste ano, e não vá alguém pensar em voltar a utilizá-la!?

Fui depois ao “Público” e, na página 16, li a notícia com o título “Ministério Público acusa 53 pessoas por fraude fiscal de 33,7 milhões de euros”. Referindo-se a um inquérito relacionado com “o tráfico de largas dezenas de barras de ouro sem o pagamento dos 17 por cento de IVA e/ou com a apropriação de parte deste imposto”, lia-se nela que “com o apoio de investigadores e peritos requisitados à Polícia Judiciária e a outros órgãos de polícia criminal, o MP avocou as investigações, em Outubro de 1998, mas estas foram interrompidas há cerca de meio ano, quando a direcção nacional da PJ ordenou aos investigadores o regresso imediato à corporação”.
A acreditar no que li, mais um caso em que fica patente poder o MP, titular da acção penal, ver-se impedido de a exercer, de desenvolver e dirigir a investigação criminal por decisão administrativa de quem está dependente do executivo. De que vale, nestes casos, a autonomia?
Mas , além desta, li ainda uma outra notícia da mesma página, mais pequena, cujo título era “Arguidos do Setúbal Connection libertados”. Em ambas se falava de processos julgados na 1ª instância mas cujas decisões não transitaram ainda em julgado, em que os arguidos foram libertados por ter sido atingido o tempo máximo legalmente admissível de prisão preventiva, em virtude de demora na decisão de recursos por eles interpostos.
É preocupante quando o direito ao recurso é não apenas uma garantia de defesa, mas também, quantas vezes, de impunidade.

RUI do CARMO (comentário ao post Minudências)

4 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Comentários ao "comentário" de Rui do Carmo:Tomas diz...

Tomas diz...
O CSMP é, como julgo todos saberem,um órgão colegial, cujas deliberações são tiradas por maioria simples, tendo o PGR, que preside, voto de qualidade.
Talvez fosse, assim, interessante e esclarecedor a consulta da acta em que a deliberação aqui comentada foi adoptada, para melhor se perceber se ela resultou ou não de uma prévia e intensa reflexão e discussão, se foi aprovada por unanimidade ou não, etc.

Anonymous (Rui do Carmo) diz...
Quero esclarecer de que quando falo, a acreditar no que é noticiado, de a "elaboração e aprovação do documento pelo Conselho Superior do Ministério Público não ter sido um processo internamente participado", não me quero referir ao funcionamento interno do CSMP, mas sim à estrutura do Ministério Público.

Assina: RUI do CARMO

Kamikaze (L.P.) disse...

Saúdo o regresso de Tomas!
Voltei a pesquisar, como sugeriu, no Boletim nº 62, mas nada encontro de relevante, quanto à questão em apreço, para além do referido no post (a não ser que não tenha percebido "onde quer chegar" Tomas),salvo o facto de a questão em apreço ter sido abordada no período "antes da ordem do dia" e não parece ter havido qualquer votação.
Em que medida isto belisca o conteúdo do post Tomas certamente esclarecerá, pois eu não alcanço.

Eis,na íntegra, o que consta do Boletim a este respeito:
"1. No período de antes da ordem do dia o Conselheiro Procurador-Geral da República informou ter participado numa reunião promovida pela Senhora Ministra da Justiça e destinada a lançar as bases para a alteração do sistema de formação de magistrados, tendo ainda dado conhecimento da previsível constituição de uma comissão destinada a preparar projecto de diploma legislativo sobre essa matéria.

O CSMP, na sequência dessa informação e por ser óbvio, atentas as suas atribuições, o seu interesse no acompanhamento dessa matéria, deliberou alertar a Senhora Ministra da Justiça para o problema do preenchimento das vagas que têm sido disponibilizadas para acesso aos cursos

normais de formação já que - nos últimos anos e desde, pelo menos, o XVII curso normal de formação - o número de vagas efectivamente atribuídas à magistratura do Ministério Público tem sido inferior, nalguns casos de forma significativa, ao que tem sido anunciado. Daí que, por se afigurar razoável, justo e racional, o Conselho sugira que, de futuro e se possível ainda no concurso cujas provas estão a decorrer, seja inserida no respectivo aviso uma norma (de salvaguarda) a impor o rateio proporcional das vagas, em função da sua repartição inicial e, ainda, do número efectivamente preenchido na fase de admissão, caso este se revele inferior ao anunciado."

Anónimo disse...

Tomas diz...É claro que quando recomendava a consulta da acta me referia àquela em que foi aprovada a deliberação enviada ao MJ sobre as necessidades actuais dos quadros.
Talvez dela se retire a conclusão de que o processo foi conduzido com nula reflexão interna, mesmo no sentido excluído pelo Rui do Carmo.
Talvez dela se retire igualmente que o documento foi aprovado com base numa perspectiva exclusivamente numérica da actividade do Mp, reduzida ainda por cima à sua actividade nos inquéritos, sem qualquer preocupação com a multiplicidade de outras funções legalmente cometidas ao MP, mormente na jurisdição de Família e Menores, ou sequer como uma análise atenta e qualitativa dos imensos dados todos os anos fornecidos por centenas de relatórios anuais elaborados em todas aas comarcas e departamentos, bem como do importantíssimo trabalho de recolha nesse domínio desenvolvido pelo serviço de inspecções do CSMP.

Quanto aos cursos especiais, caros incursores, estamos todos de acordo não serem solução para nada. Mas acreditem que antes do fim da vigência da Lei que lhes abriu a porta ainda vamos ver abrir pelo menos mais um curso igual àquele que muito recentemente lançou às feras mais umas dezenas de jovens procuradores adjuntos especiais.

7:09 PM

Anónimo disse...

Obrigado.
Assina: Rui do Carmo