Por Alberto Pinto Nogueira, hoje, na Grande Loja do Queijo Limiano:
O país tem vivido num estado doentio de geral esquizofrenia. São cassetes, são violações disto e daquilo, são exageros de toda a ordem, são pedidos de demissões.
O país, meu Deus, não pode continuar assim, dependente, em forma de depressão quase geral, de um processo que deveria agitar as consciências e não resvalar o colectivo para o lugar esconso de um quase manicómio onde, aparentemente, todos vamos sobrevivendo.
Tempo é de finar com isto.
De andar pra frente.
Conta-me um amigo e colega que, há uns tempos, um Promotor de Justiça dos USA visitou Portugal. Um dos objectivos era analisar e conhecer o processo penal português e como, na prática judiciária, funcionava.
O meu amigo, então docente do CEJ, lá se esforçou por lhe fornecer o maior número de dados que pôde, seja em textos, seja proporcionando ao visitante o contacto com várias actuações no terreno na base do nosso processo penal.
Já no fim, o promotor dos USA comentou que Portugal era um país rico e que, na América, não havia orçamento para se fazer o que cá se fazia, em termos de processo penal.
Não sei bem o que tal entidade pretendia dizer.
Sei, todavia, que, com quase 600 artigos, o CPP tem tantas artimanhas, tantos incidentes, tantas regrinhas que, mesmo decorridos dezasseis anos, nem o jurista mais apetrechado é conhecedor de tudo quanto lá está. É um código complexo, pensado para um tempo que não é o de hoje, pensado para ser aplicado a alguns milhares de inquéritos e nunca para 500 mil inquéritos anuais.
O resultado está à vista.
De 1994 a 2000, prescreveram, que se saiba, cerca de 50.000 processos. Os restantes não se sabe nunca quando terminam.
A simplificação, garantindo, por um lado, os direitos e garantias do cidadão e, por outro, o dever do estado de perseguir e prevenir o crime, impõe-se rapidamente. Toda a gente sabe ou sente isso e é tempo de o fazer, com coragem, visão, estudo e ousadia.
O poder político, que é quem legisla, tem padecido de uma maleita bipolar, concentrando-se, doentiamente, em pontos muito restritos do processo penal: o segredo de justiça, a prisão preventiva, as escutas telefónicas, assim sujeitando, de modo redutor, a actualização de um código que devia ser, a meu ver, pura e simplesmente revogado, na sua quase totalidade, a meras operações impostas por certa conjuntura.
Não faz nenhum sentido que as provas recolhidas em inquérito não valham em julgamento, que tudo se repita, que tudo seja objecto de recursos e mais recursos.
Carece de senso que uma mera contra-ordenação possa ser causa de recurso para um juiz, depois para a Relação e até para o STJ.
Os julgamentos de matéria de facto nas relações são, como toda a gente sabe, uma farsa sem nenhum sentido. Julgar por cassetes.......
Ninguém entende tantas formas de processo, o comum, o acelerado, etc, etc...
Garantindo-se sempre o direito ao recurso, o STJ deveria ter competência para decidir, liminarmente, os recursos a conhecer e a não conhecer.
Etc, etc,etc..
O código de processo penal que temos assenta, entre muito mais, num fundamento claro: o legislador teceu tudo, regulou tudo, criou normas e norminhas que só se entendem na base de desconfiança política nos magistrados. A acção destes está apertada numa teia que lhes restringe a legitimidade democrática. Não se trata de princípios constitucionais a ter em conta a cada momento processual, mas antes de regulamentações administrativas , quando adiam e quando não adiam, como ouvem e como não ouvem, o que transcrevem e não transcrevem, o que fundamentam e como e o que não fundamentam, em que prazos e sem prazos, o que certificam e não certificam, as provas que valem e as que não valem, quem fala primeiro e quem fala no fim.
A acrescer a tudo, como tenho dito neste local, uma jurisprudência repleta de citações, de notas e notinhas, de rodapés, infindável. Tão infindável e tão esotéria que, ao ler-se, nem se sabe se é uma tese de mestrado ou doutoramento ou se se está a resolver um caso concreto da vida real, se se tem um drama humano ou uma feira de vaidades onde cada magistrado procura ser mais "sabedor" que o anterior.
É óbvio que tudo está ligado ainda com a formação dos magistrados, com a sua formação contínua, onde nada se tem investido.
Para o Ministério Público, tem ainda a ver com alguns aspectos do seu estatuto, com a reorganização das Distritais, dos DIAPs, do DCIAP, do Conselho Superior do mesmo, o que será matéria para outra ocasião se a tanto "me ajudar o engenho e a arte", como diria o poeta.
Vamos mas é pra frente e deixemo-nos de alimentar guerras e guerrinhas, quem disse e quem não disse e como disse ou não disse.
Sem comentários:
Enviar um comentário