13 setembro 2004

Em Espanha (ao cuidado de Pinto Nogueira)

Uma vez que o persistente Pinto Nogueira ameaça, em comentário lá para baixo, não me largar emquanto eu não falar de Espanha, resta-me, apesar de estar a assegurar apenas serviços mínimos, falar sobre Espanha. Não com os pormenores que são exigíveis, mas certamente o bastante para se perceber.
Assim, e desde logo, em Espanha as férias judiciais resumem-se ao mês de Agosto.
No entanto, eu defendo o sistema de férias judiciais que existe em Portugal. Quem está por dentro do sistema, sabe que as férias judiciais mais alargadas permitem adiantar trabalho que, com os tribunais abertos, não é possível. Falo, obviamente, na óptica dos advogados. Sobre os magistrados e funcionários, não sei.
Mas aquilo que eu verdadeiramente queria dizer é o seguinte: como advogado, já intervim em alguns processos de acidente de viação em Espanha, mas concretamente no País Basco. Num desses processos - que era o maior processo na altura em Espanha em termos de indemnizações (mais de 1 milhão de contos em jogo) - eu representava os familiares de 4 vítimas, num total de mais de 40, entre mortos e feridos.
Depois de passar uns dias por lá a ver como funcionava o sistema, verifiquei, com a ajuda amável de colegas locais, que as indemnizações eram atribuídas segundo um baremo. De acordo com esse baremo, reclamei as indemnizações que achei devidas aos meus clientes. E, quando fui notificado - na qualidade de "mandatário verbal" - para o julgamento, carreguei o carro com malas de roupa, porque pensei que num processo daquela natureza, de duas uma: ou haveria um adiamento por qualquer motivo, ou teria julgamento para algumas semanas.
Engano o meu. O julgamento começou às 9 horas da manhã - hora marcada - e, às três da tarde estava concluído. Um processo crime com mais de 40 lesados, repito.
Não sei por que critério ou se por maldade, coube-me ser o primeiro advogado a alegar. E aleguei, através de uma tradutora nomeada pelo tribunal que a dada altura deixou de traduzir, porque eu já estava cheio de gás a falar espanhol com sotaque português.
Foram alegações fáceis. A culpa nem sequer se discutia, porque o "atestado" da Guardia Civil explicava tudo em pormenor. Os recursos que foram interpostos ao longo da audiência não eram ditados para a acta. Os advogados apresentavam oralmente as suas motivações, a secretária do tribunal tomava notas e a juíza decidia.
Nas minhas alegações havia apenas uma preocupação: segundo a legislação espanhola, as companhias de seguro supostamente responsáveis pelo ressarcimento dos anos, estão obrigadas a uma cláusula de boa-fé que implica a fazer uma avaliação dos danos a indemnizar e a despositar essa quantia à ordem do tribunal ou a prestar uma garantia idónea. Não o fazendo, ficam sujeitas a pagar as indemnizações arbitradas, acrescidas de juros. Juros que, naquela altura, tinham uma taxa legal de 20%. Nas minhas alegações, eu defendi a tese de que a seguradora deveria ser condenada a pagar esses juros (os interesses) relativamente à diferença entre o que tinham depositado (cerca de 300 milhões de pesestas) e o que efectivamente deveriam pagar (mais de 800 milhões de pesetas). Uma ideia lançada a medo, num ambiente estranho. Curiosamente, os meus colegas locais afinaram pelo mesmo raciocínio.
Cerca de um mês depois, recebi a sentença. Para grande espanto meu, a juíza tinha ido mais longe: considerou que, tratando-se de uma cláusula de boa-fé, a seguradora tinha o dever de prever que os 300 milhões de pesetas depositados eram manifestamente insuficientes para ressarcir os danos na sua totalidade. E, daí, concluiu que a seguradora deveria pagar os juros de 20% sobre a totalidade da indemnização global, como se não tivesse depositado os 300 milhões de pesetas.
Houve recurso para a Audiência, que confirmou a sentença.
Concluindo: como seria com um processo destes em Portugal?

(um destes dias, logo que possa, também posso contar o incidente, no mesmo tribunal mas noutro caso, do processo-crime arquivado por morte do arguido que, afinal, não tinha morrido. Quem tinha morrido era o seu pai, que tinha um nome praticamente igual. Mas o processo foi reaberto e percebi que há gente desonesta e gente honesta em todo o mundo)

1 comentário:

Anónimo disse...

Um diário na sua edição de hoje dá um bom exemplo que demonstra a necessidade de reponderar o sistema de férias judicias em vigor. Independentemente do tribunal a que se refere.