16 setembro 2004

Formação de magistrados e sentido de Estado.

O Director do CEJ (Centro de Estudos Judiciários) não viu ser renovada a sua comissão de serviço naquela instituição, por o CSM (Conselho Superior da Magistratura) ter entendido – ao que parece por unanimidade – que tal não seria viável por exceder dois períodos sucessivos de comissão de serviço. Isto, depois de o Conselho de Gestão do CEJ haver dado parecer positivo à sua recondução e tal recondução ser do interesse do Governo, que o solicitou ao CSM.

A atitude do CSM pode ser formalmente inatacável. Pode haver razões estatutárias ou regulamentares que a fundamentem. Só não se compreende qual a razão de o entendimento do CSM, noutros casos semelhantes, não ser idêntica, nomeadamente no tocante à permanência em funções de outros juizes para além de duas comissões de serviço de 3 anos cada uma (alguns no próprio CEJ).
Interessa, então, aprofundar as verdadeiras razões de tal atitude, de afronta pessoal ao Desembargador Mário Mendes e de «teste» ao poder político, concretamente ao Ministro da Justiça.


No plano pessoal, tratou-se de uma inominável desconsideração da pessoa e do cargo, tendo a deliberação sido tomada na antevéspera do início do ano lectivo do CEJ, deixando aturdidos todos os intervenientes e interessados no processo da sua nomeação (que havia sido garantida à anterior titular da pasta da Justiça), com as inerentes perturbações do funcionamento dos cursos actuais.

Mas, as verdadeiras razões são, porventura, mais profundas.
Face à posição do actual titular da pasta da Justiça no sentido de relegar o projecto de revisão da Lei orgânica do CEJ (elaborado por uma comissão restrita de representantes do CSM, do CSTAF, da PGR, e do MJ, em que o director do CEJ, Dr. Mário Mendes estava a título não institucional) para o estatuto de «elemento de trabalho» e vendo as propostas nele contidas presumivelmente comprometidas, sectores do CSM, desagradados com a posição distante dos seus interesses manifestada por Mário Mendes, entenderam inviabilizar a sua continuação no cargo, na expectativa de nomear alguém que os pudesse eficazmente defender.

Parece que, providencialmente, o ministro Aguiar Branco terá percebido que a questão da formação de magistrados é suficientemente importante para não se restringir a uma discussão de sábios corporativos mas, sim, ser objecto de um amplo e alargado debate da sociedade civil, das organizações políticas e de outros órgãos de soberania.

Se o ministro da Justiça percebeu «a jogada» – como se intui e espera – não deverá perder a oportunidade de dar uma resposta no mesmo campo (político) a esta afronta dos sectores que, no CSM, pretendem desvirtuar o modelo de formação conjunta das magistraturas e relativizar o princípio da cultura judiciária comum. Nem sequer precisará de hostilizar a magistratura judicial ou o seu órgão de gestão: basta-lhe exercer, em conjunto com o PM, os seus poderes de nomeação do Director do CEJ. Que pode nem ser um magistrado (muito embora seja desejável que seja alguém com ligação ao mundo judiciário e que se identifique, estrategicamente, com o programa de formação de magistrados que o Ministério da Justiça parece inclinado a defender).

A questão da formação conjunta de magistrados não é uma questão estritamente orçamental ou contabilística. Não é por «ser mais barato» formar conjuntamente magistrados judiciais e do Ministério Público que tal deve acontecer. É, antes, por decorrer de uma concepção que permita dotar os aspirantes às magistraturas dos conhecimentos, das técnicas, dos estatutos e dos limites e competências inerentes a cada uma das magistraturas, bem como possibilitar-lhes os instrumentos para uma opção conscienciosa e esclarecida – plasmada em diversos instrumentos jurídicos europeus e internacionais – devendo reconduzir-se a uma cultura judiciária comum, da qual não deverão estar postergados os advogados.

Ora, o CSM portou-se, neste surpreendente episódio, como um veículo de interesses puramente políticos. Mas sem sentido de Estado.

mangadalpaca©

17 comentários:

Gomez disse...

Falou e disse, caro Mangadalpaca!
Já agora, não posso deixar de registar que a m/ "provocação" sugerindo a nomeação de um advogado para dirigir o CEJ foi acolhida com uma tolerância e abertura de espírito que honra a generalidade dos dignos magistrados opinantes. Não desisto de acreditar que a (por vezes) silenciosa maioria dos "sapadores" do bom senso ainda pode mudar este país.

Anónimo disse...

Este post não é da GL?

Anónimo disse...

O Incursões é uma filial da Grande Loja: todos Irmãos na luta contra o Ex.mo Conselheiro Noronha do Nascimento.

Anónimo disse...

Há uma coisa que não entendo: o "Incursões" é alimentado por pedreiros das obras ou por juristas? Admito que um pedreiro possa não perceber que a lei é para ser aplicada. No caso em apreço, o Estatuto dos Magistrados Judiciais prevê que uma comissão de serviço não se pode prolongar por mais de nove anos e a título meramente excepcional. Acontece que o desembargador Mário Mendes anda em comissões de serviço desde 1989, como hoje assegura o Público. Assim sendo, admitindo que um pedreiro não é obrigado a saber fazer contas de somar, um jurista tem o dever e a obrigação de saber que de 1989 até 2004 passaram 15 anos, isto é, mais seis do que os previstos para comissões de serviço. Pergunta-se: é crime nos tempos que correm aplicar a lei? É lamentável que os juristas que criticam o CSM não percebam isso e andem a fazer campanhas difamatórias e injuriosas aos elementos deste órgão, passando-lhes atestados de menoridade mental, uma vez que o indeferimento da renovação da comissão de serviço foi aprovado por unanimidade. O que quer dizer que partilharam a mesma opinião os dois representantes do Presidente da República, os sete eleitos pela Assembleia da República e os juízes eleitos pelos seus pares, estes últimos, registe-se, de duas facções diferentes. Tenham tino e deixem-se de fazer processos de intenção. Para terminar, quando acusam os arguidos também o fazem condicionados por precoceitos? Desgraçada justiça esta...

Anónimo disse...

Então o CSM só seis anos depois é que descobriu que os nove anos regimentais já tinham passado? Deve ser um Conselho muito distraído.

Anónimo disse...

Não quero desconsiderar os pedreiros (porque esses sabem fazer contas), mas parece-me que os «juristas do CSM» é que precisam de reciclagem de aritmética (3+3+3=?).

josé disse...

Fazer contas, sim, em vez de fazer de conta.

Ora vejamos: como é que se defende e aprova em CSM, uma coisa destas, segundo o Independente de hoje, escrita pelo desembargador Branquinho Lobo, director da PSP?

"Após treze anos de comissão de serviço fora do quadro da magistratura, no decurso dos quais desempenhei diversos cargos dirigentes da Administração Pública bem como o de secretário de Estado da Administração Interna, o exercício das funções de juiz desembargador pelas especiais condições de isolamento em que são cumpridas motivaram à formulação por parte da junta médica de Jubilação/Aposentação de um juizo de desadaptação que foi aceite pelo Conselho Superior da Magistratura."

Anónimo disse...

Ver alguém que se chama a si próprio manga de alpaca falar seriamente em sentido de Estado é algo que surpreende. Os burocratas do séc. XIX usavam as ditas mangas e enchiam-lhes a cabeça com a razão de Estado...
O CSM foi inábil e deselegante, pessoal e institucionalmente, com a questão da comissão de serviço de MM? Claro que foi.
O CSM tem sido vezes demais incoerente e antiestatutátio nas renovações de comissões de serviço? Claro que tem sido (por isso é que tantos, sabendo que o fazem fora da lei, tentam tantas vezes atirar o barro à parede...).
Tecer um discurso emocionado, como neste post, afirmando existir conspiração, cabala ou (como é que dizia outro?...) urdidura é que se dispensa. Já estamos fartos disso...É claro que as asneiras chamam asneiras.
Porque é que não se discute seriamente o CEJ e a formação que tem prestado? Quantos mangas de alpaca é que tem produzido em nome da embalagem sem conteúdo, designada "cultura judiciária comum"? Há sentido de Estado nisto? Há ao menos, depois destes anos todos, uma cultura de formação judiciária que anime, motive e projecte no futuro as novas gerações?
Quais as críticas que o tal projecto de reforma da Lei do CEJ merece? Foi, ao menos lido? Percebeu-se que ele sintetiza um consenso e séria vontade de cooperação entre as instituições que nele intervieram (que não as corporações, que dele estiveram para já arredadas..)? Percebeu-se que na sua filosofia se estabelece uma âncora para que a magistratura do MºPº continue formal e materialmente uma magistratura (contra certos ventos e marés...)? E nele se aposta na formação das duas magistraturas nos bancos da mesma escola?
Dizem-se coisas tão gratuitas neste post...
Afinal qual é o projecto estratégico de formação que o Ministério defende e que o mangadalpaca diz conhecer? Melhor seria se o descrevesse e discutisse (não sabe, nada sabe, ninguém sabe, mas para a imaginação que produz a cabala é alicerce para dizer umas coisas).

josé disse...

Ora ainda bem que temos agora, aqui, um equalizador de tensões corporativas.
O comentador anónimo é, quanto a mim que venho aqui ver o que se escreve, um precioso contribuinte para a discussão que se deve estabelecer no seio das magistraturas.
Mas espero que saiba ler as respostas que me parece não tardarão a chegar...e aguente, firmo e hirto e, já agora, com sentido de humor.

Kamikaze (L.P.) disse...

Ó 3º anónimo, ja que defende tão denodadamente as boas intenções do CSM, ou seja, a simples aplicação da lei, é capaz de explicar aos ignorantes pedreiros porque é que o CSM não decidiu logo, na sua sessão anterior às férias, o indeferimento da comissão de serviço de MTM??? Será que ainda não tinham feito as as continhas??? É que a explicação oficial foi a queda do governo e, se o anónimo não explicar, não alcanço no que é que este facto altera a aritmética...,pelo que, até melhor explicação (?) o post de mangadalpaca é perfeitamente legítimo. É que - com a rectificação de a comissão de serviço de Mário Mnedes só terminar 2ª feira próxima(tendo o CSM autorizado a sua permanência interina no cargo de director do CEJ apenas por mais um mês e não até à nomeação de novo director, como pareceria mais curial) - é verdade verdadinha o que se diz nesta parte do artigo de hoje de AAM, no Público:
"A comissão de serviço terminou ainda no consulado da ex-ministra Celeste Cardona, que remeteu para o CSM um pedido de recondução do desembargador, o qual acabaria por não ser analisado pelo Conselho, devido à demissão do ex-primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso."

Anónimo disse...

Não sabia que as comissões de serviço fora das magistraturas têm prazo de validade...que chatice, fiquei a saber, mas não entendo.

Anónimo disse...

Embora não costume «dialogar com estranhos», acho que o «anónimo abespinhado» com o post, merece alguns reparos:
- o mangadalpaca é, apenas, isso mesmo, um amanuense. Mas ficou surpreendido com tamanha indignação por parte de tão ilustre, mas ignota, figura; para quem diz que o tom do post é emocionado...estou esclarecido;
- regista-se com aplauso a (nova) intenção do CSM passar doravante a deliberar «de acordo com a lei»;
- o mangadalpaca nunca construiu «urdiduras ou cabalas». Apenas fez uma interpretação - que acha legítima - de factos que são conhecidos;
- o mangadalpaca não conhece qualquer «programa do governo» para a formação de magistrados. Mas sabe, e isso foi afirmado pelo ministro Aguiar Branco, que é prioridade da sua agenda e que o «projecto de revisão da lei do CEJ», apresentado pelas «instituições», servirá como (mais) um elemento de trabalho;
- por último: o mangadalpaca leu o tal «projecto» que o anónimo (desmascarando-se)refere conceder «piedosamente» ao Ministério Público o estatuto de magistratura (desgraçado país de opiniões anónimas, que se permitem assumir que o Ministério Público deve subsistir como magistratura através da Lei de formação de magistrados...);

humildemente, mangadalpaca

PS: sobre as concepções e modelos da formação de magistrados, o mangadalpaca promete voltar

Anónimo disse...

Embora não costume «dialogar com estranhos», acho que o «anónimo abespinhado» com o post, merece alguns reparos:
- o mangadalpaca é, apenas, isso mesmo, um amanuense. Mas ficou surpreendido com tamanha indignação por parte de tão ilustre, mas ignota, figura; para quem diz que o tom do post é emocionado...estou esclarecido;
- regista-se com aplauso a (nova) intenção do CSM passar doravante a deliberar «de acordo com a lei»;
- o mangadalpaca nunca construiu «urdiduras ou cabalas». Apenas fez uma interpretação - que acha legítima - de factos que são conhecidos;
- o mangadalpaca não conhece qualquer «programa do governo» para a formação de magistrados. Mas sabe, e isso foi afirmado pelo ministro Aguiar Branco, que é prioridade da sua agenda e que o «projecto de revisão da lei do CEJ», apresentado pelas «instituições», servirá como (mais) um elemento de trabalho;
- por último: o mangadalpaca leu o tal «projecto» que o anónimo (desmascarando-se)refere conceder «piedosamente» ao Ministério Público o estatuto de magistratura (desgraçado país de opiniões anónimas, que se permitem assumir que o Ministério Público deve subsistir como magistratura através da Lei de formação de magistrados...);

humildemente, mangadalpaca

PS: sobre as concepções e modelos da formação de magistrados, o mangadalpaca promete voltar

Anónimo disse...

O mangadalpaca tem nome? Quer dizê-lo, para sabermos quem é? Ou o excesso de palavras sobre o anonimato de quem o comenta não lhe toca, em rápido retorno?
Dirige-se aos da casa? Da mesma opinião? Os estranhos não são bem vindos?
Perdi o interesse em comentá-lo - de resto, quem vem com a conversa do "pobre país" não tem interesse; é a conversa do "coitadinho" açoitado e infeliz e eu não quero contribuir para mais desgraça, nem com muito humor. Ora bolas, para este amanuense!

Com amizade

Anónimo já nada abespinhado

Anónimo disse...

Tenho seguido atentamente este debate, particularmente este mais recente confronto entre mangadalpaca e um anónimo anónimo.
Porque, já mais do que uma vez, tomei posição pública sobre o referido projecto de projecto de alteração à lei do CEJ e apresentei algumas propostas sobre a matéria (que não apenas sobre a lei, mas sobre a execução das leis!) sem que os próximos daquele documento tivessem vindo ao debate - deposito alguma esperança de que possa ser agora!
Uma boa razão para me meter de permeio.
O anónimo anónimo deve ser alguém próximo da filosofia (ou mesmo próximo próximo)de quem co-projectou aquele projecto de projecto.
O mangadalpaca deve ser alguém próximo da questões (e talvez da prática)da formação.
Eu acabei de ter responsabilidades nesta área.
Um trio que pode começar o debate!
O anónimo anónimo perguntou o nome do mangadalpaca; eu gostaria também de saber o nome do anónimo anónimo.
Vamos fazer, como sempre gostei, um debate aberto, cara a cara. Até para que não fiquemos uns a pensar que os outros são os que não são.
E podemos juntar a este tema o do post "Olho Vivo" - talvez indissociáveis!?
Eu, o terceiro, o que aqui lança este desafio, que não é mangadalpaca nem anónimo anónimo, chamo-me RUI do CARMO.

Anónimo disse...

O post não tinha como fim imediato abrir um debate sobre fomação de magistrados. Mas, já que Rui do Carmo lançou o repto, mangadalpaca, que não é especialista no tema (embora tenha umas ideias) oportunamente terá ocasião de nele intervir.
Ora, Rui do Carmo, com o seu proverbial desassombro, escreveu no Público parte do que pensa sobre formação, sem que - inesperada e incompreensivelmente - aqueles que fizeram o projecto de projecto (de lei do CEJ) tão diferente daquele pensamento, se tenham pronunciado. Será agora que saem da toca?

mangadalpaca

Kamikaze (L.P.) disse...

A propósito da temática da alegada falta de quadros, ver o estudo de Jorge Bleck, publicado no Boletim da OA, intitulado "Reinventar o sistema de justiça", de Julho deste ano e que pode ler na íntegra aquiNão sabendo eu passar para este comentário os quadros que ilustram o estudo , ficam estas legendas:

"Do Quadro 1 resulta que o problema da Justiça no nosso país não deriva por certo da falta de juízes, já que o número existente ultrapassa, em muito, o número per capita de outros países, mesmo daqueles que adoptaram o direito civil como regime.
Ora, se comparativamente estamos bem melhor municiados de juízes que os países congéneres, tenderíamos a dizer que, por certo, o problema da morosidade centrar-se-á, então, na falta de tribunais. Todavia, também aqui a comparação é largamente beneficiária de Portugal. Senão vejamos o Quadro 2 no qual se evidencia o númerode tribunais por 10.000 km2 e por 100.000 habitantes, sendo que Portugal tem três vezes o número de tribunais da Espanha e da França, quer em termos de tribunais per capita, quer em termos de tribunais por Km2!"