14 setembro 2004

Sociedades secretas e democracia

«A morte do presidente do Tribunal Constitucional surpreendeu como todas as mortes inesperadas. Também me surpreendeu que, quase em simultâneo com a notícia na TV, o líder da Maçonaria GOL anunciasse que Luís Nunes de Almeida pertencia à organização. Não deveria surpreender-me, pois sendo a Maçonaria uma organização secreta não se conhecem os seus membros. Também não me deveria surpreender que, logo após a morte, a Maçonaria se apressasse a reivindicar essa condição do presidente do Tribunal. Há dezenas de anos que me habituei a ver nos "media" um coro de elogios orquestrados a maçons falecidos, mesmo que não identificados como tal. Habituámo-nos a que só se conheça a condição maçónica quando as pessoas morrem.
O que me surpreendeu foi olhar para o calendário e ver lá o ano de 2004. Trinta anos depois da instauração da democracia, existem ainda sociedades secretas com membros em postos importantíssimos do Estado reivindicando a democracia, dizendo defender a democracia, dizendo-se até mais democráticos que outros, mas que não observam a mais elementar das regras da democracia: a participação aberta na sociedade aberta, a divulgação franca pelos seus membros dos objectivos da sua militância.
O que significa ser maçon e ocupar um cargo no aparelho do Estado? Quais as consequências? No caso de um partido, tal é público ou semipúblico. E se o não é, há os "media" e há regras para se saber, dado que os partidos não estão fora do aparelho de Estado. Com razão, José Sócrates considerou positivo o debate do PS ser público porque em democracia "não há questões internas dos partidos" (SICN, 07.09).
E no caso de uma organização secreta? Conhecer os princípios dessa organização pouco me diz, pois todas as cartilhas devem ser confrontadas com as práticas e no caso de uma sociedade secreta não poderei sabê-lo e o Estado não tem meios de o saber nem de disponibilizar aos cidadãos a legítima informação a que têm direito.
Nesta era mediática em que a sociedade aberta se faz também com os media, TV, rádios e jornais falam da questão superficial da cerimónia maçónica num templo católico mas omitem a questão de fundo. Não há debate sobre o facto de uma organização secreta poder estar à frente dos destinos do país. Este é um tabu imposto aos jornalistas e comentadores ao qual eles se vergam envergonhados. A Maçonaria mandará em muito mais do que eu imagino, mas ninguém mo diz. Vivo numa democracia em que há organizações secretas, não eleitas pelo povo, e os "media" não me informam.»

EDUARDO CINTRA TORRES, no Público de ontem

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