14 outubro 2004

Buttiglione cheio de convicções próprias

O italiano Rocco Buttiglione afirmou, hoje, não ter intenção de renunciar ao cargo de comissário europeu para a Justiça, apesar da oposição do Parlamento Europeu à sua nomeação.
Diz: «Não tenho a intenção de renunciar ao cargo, mas mantenho-me coerente com as minhas ideias, que não trocarei por um cargo». Estas considerações vieram na sequência das suas declarações controversas sobre homossexualidade, o que levou a Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu rejeitar segunda-feira, por 27 votos contra 26, a nomeação do comissário designado. Apesar deste «chumbo», José Manuel Durão Barroso fez saber que mantinha a confiança em toda a sua equipa, incluindo Buttiglione.
Este episódio traz para o debate uma questão já colocada por Max Weber (in: “O político e o cientista”) sobre a ética das convicções e a ética da responsabilidade. J.Habermas (in: “Consciência Moral e Agir Comunicativo”) introduz, a propósito de uma ética das convicções responsáveis, o conceito de “ética da argumentação” para referir que a consciência (invocada para legitimar convicções) não é infalível e, por isso, a relação moral entre o indivíduo e a sociedade deve ter em conta uma ética que avalie as consequências das convicções por um esforço dialogante. Tal esforço visa vincular um debate a razões que devem convencer todos os participantes que procuram com sinceridade, autenticidade e justeza harmonizar convicções com as melhores consequências e com uma vida em democracia.
Está-se, assim, perante um problema que não diz respeito apenas a Buttiglione ou a Durão Barroso, mas ao próprio sentido do encaminhamento da democracia na Europa. É que, no limite, também Hitler invocou, de forma monológica, a sua coerência com as suas próprias ideias ou convicções!

5 comentários:

Cronista Oficioso da 3R disse...

Pois é compadre, quem parte da convicção de ser ungido pela tríade Deus, Pátria, Família nem sequer admite o diálogo quanto mais uma ética da discussão...
No rectângulo a coisa também se passa nesses termos, com ex-compagnons del Durão, que ao fazerem-se de durões não só não têm ética como caem na mais suprema hipocrisia.

Primo de Amarante disse...

O problema não é Buttiglione ter as suas próprias convicções, mas o de as convocar publicamente na altura em que é indicado para o cargo de Comissário da Justiça. Isso tem um significado que o neo-liberal José Manuel Fernandes parece não compreender no seu editorial de hoje, no "Público". E esse significado está logo presente na censura explicita a outros projectos de vida, o que não indica muita capacidade para exercer o seu cargo com tolerância democrática.

Primo de Amarante disse...

Imagine-se que Buttiglione expressava publicamente as suas convicções marxistas-leninistas, acrescentando que respeitava outras. Será que José Manuel Fernandes escreveria o que escreveu no seu editorial?!... No entanto, a expressão seria tão liberal, quanto a outra! São duas posturas (fundamentalistas)que dizem respeitar (obviamente e por agora) outras posturas. É que tornadas publicas têm um significado que rompe com a isenção devida ao cargo. E isto não o desconhecem os neo-liberais, mas acolhem sempre melhor a posição que mais se ajusta ideologicamente ao liberalismo.É o rosto consevador do liberalismo que não o deixa (paradoxalmente) fazer tabua-rasa das convicções.O liberalismo nunca foi liberal, duvidam?!...

Cronista Oficioso da 3R disse...

Não tendo a certeza que o liberalismo nunca foi liberal... o conservadorismo de certo que nunca o foi e os neo-conservadorismos também não. As encíclicas de JMF manifestamente revelam um discurso que aparentemente fundado na razão é de um irracionalismo, demasiado próximo de falsas esquerdas mediaticamente e folcloricamente populares, os quais com vectores aparentemente antinómicos, quando confrontados com o seu autoritarismo ético proclamam o carácter apolítico de afirmações no espaço político. É a falta de ética na discussão levada ao limite... e a base filosófica até é comum (a popularidade do velho Heidegger atravessa todos estes rapazes). Tem pois pertinência invocar Habermas enquanto corajoso resistente defensor da razão.

Primo de Amarante disse...

Heidegger é um pensador difícil. Negou no final da sua vida as acusações que lhe foram feitas de conivência com o nazismo, por ter sido reitor (demitindo-se) de uma universidade durante uma pequena parte desse período. Foi companheiro, durante algum tempo, de Hannah Arendt. Foi o último filósofo sistemático. Um amigo, conhecido por muitos dos incursionistas, o prof. Arnaldo de Pinho, frequentou um curso de inverno dado por Heidegger. Nesse curso, frequentado por cerca de 2mil alunos, o Filósofo colocava os grandes problemas da existência que vêm referidos no "Ser e o Tempo". Falou-me do curso com uma admiração inolvidável. Depois do curso Heidegger recolhia-se para uma cabana que tinha na montanha, onde vivia com sua esposa, sem electricidade. A influência de Heidegger em Habermas é clara e referida por este.