12 outubro 2004

No reino da Justiça

Joaquim Vieira, in Grande Reportagem, 9/10/04

«O País nem reagiu à notícia de há uma semana, anestesiado pelos sucessivos casos que têm abalado a confiança dos portugueses na Justiça.
Concluído o inquérito ao suposto favorecimento de Fátima Felgueiras por um juiz do SupremoTribunal Administrativo, chegou-se a um relatório com quase uma centena depáginas de transcrições de escutas telefónicas entre a foragida presidente daCâmara Municipal de Felgueiras e o magistrado, onde este transmite instruções à autarca para fugir à acção judicial que sobre ela impende por suspeitas de corrupção enquanto responsável máxima do executivo concelhio.
Mais: o insigne jurista promete-lhe interceder junto de outros magistrados para os pressionar a abafar o processo.
Quanto à acção movida a Felgueiras com vista à perda do mandato em consequência do processo de corrupção, o mesmo juiz pede-lhe que ela o avise do envio dos autos para oTribunal Administrativo doPorto, para que ele accione logo influências junto do Ministério Público (e a verdade é que a autarca foi aí absolvida, com base no decisivo depoimento do magistrado em audiência,como sua testemunha de defesa).
Vem a saber-se ainda que, já como vereadora emFelgueiras, 10 anos antes, a autarca vira ser arquivado semelhante processo contra si, também no mesmo tribunal portuense e aparentemente após diligências do mesmo magistrado.
Como se tudo isto não bastasse, apurou-se agora que, no espaço de uma hora antes de a autarca fugir para o Brasil, há ano e meio, aparentando saber por antecipação que ia ser detida nesse dia, houve dez chamadas telefónicas do Tribunal Tributário do Porto, onde o magistrado disporia de gabinete, supostamente para Felgueiras (e mais uma para o seu ex-marido).
Note-se que não estamos a falar de um magistrado qualquer, mas de um juiz-conselheiro. Em que outros processos terá sujado as mãos, ao longo de uma carreira que o levou ao topo?
São situações como esta que levam a concluir que algo está podre no reino da Justiça e que, aos olhos portugueses, existe definitivamente uma prática judicial (implacável) para os cidadãos anónimos e outra (com inúmeras escapatórias) para quem pode dispor de influência social.»

Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias, 12/10/04

«As escutas dos telefonemas entre Fátima Felgueiras e o juiz-conselheiro Joaquim Almeida Lopes não podem ser utilizadas como meio de prova contra este relativamente ao alegado crime de favorecimento pessoal.
Daí que, segundo soube o DN, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pondere acusar o juiz também do crime de tráfico de influências.
De acordo com o n.º 1 do artigo 367 do Código Penal (CP), o crime de favorecimento pessoal é punido com pena até três anos ou com multa. Ou seja, a utilização das escutas telefónicas como meio de prova não pode aplicar-se, uma vez que estas, segundo o n.º1 do artigo 187 do Código do Processo Penal (CPP), são só admissíveis, entre outras situações, quando estão em causa crimes «puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos».
O processo, soube o DN, encontra-se num impasse no gabinete do procurador-geral adjunto, Agostinho Homem, que recebeu um parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça. Àquele magistrado compete ordenar novas diligências ou simplesmente mardar arquivar os autos.
Perante o teor das conversas interceptadas entre Fátima Felgueiras e Joaquim Almeida Lopes, o DN sabe que o gabinete de Agostinho Homem pondera avançar para uma acusação ao juiz-conselheiro, além de favorecimento pessoal, por tráfico de influências. Esta hipótese não tem sido consensual devido à configuração jurídica do crime.

(...) Na altura, o Conselho Superior da Magistratura abriu um inquérito, mas, segundo o antigo vice-presidente, Noronha do Nascimento, não foram encontrados indícios de violação do segredo de justiça.» (continua aqui)

Kamikaze

Tenho por extremamente demagógica a conclusão de Joaquim Vieira. Mas perante os sucessos que se prenunciam, sei que mesmo aos meus amigos mais diferenciados dificilmente conseguirei convencer que a podridão NÃO alastra no reino da Justiça.

6 comentários:

Carlos Rodrigues Lima disse...

Cara Kamikaze,

Procurei o texto do Joaquim Vieira na GR de 9/10 mas n encontrei. Tem a certeza da data?

Com os melhores cumprimentos,

Carlos Rodrigues Lima

Manuel disse...

O Homem, com agá grande, é um santo, um humanista, alguém verdadeiramente do nosso tempo.

Só por manifesta má fé, cegueira ou comezinha inveja, se podem levantar tão torpes suspeitas sobre alguém que ainda por cima é o controleiro da humilde instituição de utilidade e filantropia pública que é a Associação de Futebol do Porto e um venerável, leram bem venerável, membro da Obra do Senhor do beato Escrivá.

Em suma, só se lhe devia tocar para se ser iluminado pela sabedoria, pelo rigor ético, pela fé, pela caridade...

Esse Homem, Juíz, exemplo para todos nós, cujo nome me sinto indigno de pronunciar, é o protótipo do novo Homem Português, nesta era de claridade que nos é trazida pelo Pedro S. Lopes.

Ah, e há tantos, mas tantos que querem ser como ele - ascetas e... intocáveis.

Kamikaze (L.P.) disse...

Carlos Lima:
confirmo a publicação na GR de 9 do corrente, pág. 17.

Anónimo disse...

teodolito, o caso deveria ser analisado no Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a que preside o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo

Carlos Rodrigues Lima disse...

Já confirmei...Obrigado e não considero demagógica a posição do JV. Eu tb quando li o processo no administrativo do Porto fiquei de boca aberta....mas, tudo está bem, como sempre

Anónimo disse...

teodolito: o CSM já se pronunciou sobre a matéria e disse que quantos aos seus não havia nada a censurar. creio que qualquer jornalista poderá ter acesso ao processo. administração aberta. quanto à impunidade, vamos apostar?