No princípio, era juiz. A seu cargo, tivera um processo no qual evitara que uma notável do reino fosse a julgamento devido a mortes ocorridas por transfusões de sangue ruim. Divisara ele, então, em peça jurídica de tomo, a destrinça entre dolo eventual e negligência consciente, repondo a clareza que faltara aos magistrados que nesse processo haviam intervindo antes.
Foi então que a sua estrela começou a brilhar.Sentiu-se predestinado.
Depois, foi sempre subindo, em esforço de erudição. Doutorou-se em leis, podendo vir a ser lente. Não o quis logo, cuidando ter missão mais elevada, assim continuando a julgar em juízo criminal da capital do reino. Julgou processos de plebeus e de grandes do reino. Sempre com mui douta postura, e maior sapiência.
Naquele tempo, cuidando ele de suas altas qualidades de pensador de todo o sistema, apresentou-se candidato ao tribunal de direitos do homem do continente, sendo nele preterido, por indesculpável falta de atenção ao seu mérito e notável saber.
Desanimado por tamanha injustiça, apostou-se em reforçar os dotes de estudioso e pensador. Ao caber-lhe em sorte o julgamento de processo crime de ofensas contra-natura, envolvendo crianças, saiu, então, da magistratura. Haveria ele de confessar a razão de tal abandono, com a circunstância de haver magistrados a mais no reino, segundo crónica da época da capitania da Madeira, assim contribuindo para a (necessária) redução da quota de magistrados por súbditos do reino.
Nesse tempo, o que era regente-mor havia defendido, sagazmente, como forma de minorar os problemas da justiça, que os professores do reino desempregados fossem postos na assessoria aos juízes (que apesar de muitos magistrados haver, os juízes eram poucos).
Por seu lado, e sentindo o apelo da necessidade de trazer luz a tamanhas trevas de ideias, decidiu-se ele a escrever e falar a muitos cronistas, que o ouviam com enlevo, bem como alguns grandes do reino.
Nesse tempo, o ministro-regente da justiça, que não sabia o que fazer, mas queria mostrar trabalho, pela mão do seu braço direito, tratou com o herói desta crónica, encomendando-lhe pensamentos sobre a forma de resolver as magnas questões do sistema de justiça do reino, entre elas o exagerado poder da corporação dos meirinhos do reino, por haverem eles pedido e conseguido a prisão de algumas gradas figuras. Falou, então, no notável conceito de «refundação democrática» da corporação dos meirinhos, tendo estes poder desproporcionado, conseguindo fazer prender notáveis do reino. Quiseram destinar-lhe uma missão em grupo, ou vice-versa, como lhe chamaram. Queria também o ministro-regente um pato, digo, um pacto de regime, coisa de que não falara o programa da sua governança, mas que o haviam convencido a propor. Para isso, contaria com a inteligentsia do reino e aliados, mui do agrado de um bastonário dos legistas, que pouco tempo antes chegara a acordo com os demais notáveis da justiça sem nisso, no entanto, falar.
A sua estrela brilhava como nunca.
Com o apoio de um secretário, homem estudado noutras paragens, e que já estudara assuntos sobre a legitimidade dos juízes, o nosso herói volveu-se em oráculo.
As suas palavras eram gulosamente sorvidas no ministério, o que não ocorria com as ideias, por serem elas pouco claras. Mas a sua estrela foi brilhando, cada vez mais alto. O oráculo tinha agora cátedra em leis carcerárias e ordenamento dos tribunais, nos estudos de Nosso Senhor.
Tornou-se guru. Guru rima com peru.
Mas este era pinto, dos albuquerques.
contributo de mangadalpaca©
(ilustrações: Kamikaze)
23 outubro 2004
O Guru
Marcadores: direito/justiça/judiciário, ridendo castigat mores
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4 comentários:
Doutores há muitos
Delicioso...E muito certeiro
Na GLQL a jungle passou a (em)bush...
Corrigindo: (am)bush...
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