A propósito da indigitação da professora universitária Anabela Rodrigues para directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), constituiu, de certo modo, uma surpresa a reacção que se lhe seguiu por parte dos juízes directores de estágios e formadores, solidariamente apoiados pela eufemisticamente chamada Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Surpresa, não só pela desproporção da reacção, como sobretudo pela dimensão e pelo efeito propagador do fenómeno corporativo que, sob esse pretexto, saltou para a ribalta.
Ainda bem que isso aconteceu, pois serviu para mostrar ao país até que ponto está ainda arreigado na magistratura judicial um espírito de casta só imaginável na Idade das Trevas. Fenómeno preocupante para uma sociedade que se reclama de valores democráticos.
Sou do tempo em que o acesso e a progressão na carreira judicial pressupunham, sem contestação, severo veredicto de professores universitários nos júris de selecção. Hoje em dia, pelos vistos, os académicos são vistos como intrusos indesejáveis na formação de magistrados.
Qual a razão desta mudança radical de atitude? Um défice da formação ministrada pelo CEJ nos últimos anos? Ou um sintoma inquietante dos sinais dos tempos, em que os valores da solidariedade, da humildade e do espírito de servir, foram substituídos pelo individualismo extremo, pelo egoísmo excludente e pelo venha a nós o vosso reino?
A resposta não será simples. Mas, só pelo facto de ver tantos garnisés de crista levantada, torço afincadamente por que o Ministro se aguente na caneta e mantenha a nomeação daquela professora universitária. E espero que esta não se deixe soçobrar à primeira investida. Mais, faço votos por que o anunciado Pacto da Justiça se preocupe com a erradicação daquele tipo de mentalidades e, em vez de falar em poder judicial, expressão que a Constituição não conhece, ponha a ênfase na função de administrar justiça em nome do povo.
Viva a democracia!
23 outubro 2004
Ainda a direcção do CEJ
Marcadores: Gastão
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3 comentários:
Pela conexão temática, transcrevo comentários ao post abaixo, "Legitimidade e (ir)responsabilidade":
Anonymous diz...
Continuo a achar que se está a enfatizar a questão da nomeação da Directora do CEJ, quando a questão deve ser analisada em termos da composição de toda a direcção.
A posição do SMMP não deveria ter sido colocada apenas nesta perspectiva, mas avançar também para a pessoa a nomear para o cargo de Director de Estudos.
Seria de prever que sendo a Directora do CEJ uma professora universitária, tal cargo passaria a ter um importância acrescida.
Tal será a forma que o CSM vai encontrar para, de forma indirecta, continuar a ter um juiz como...director.
23.10.04
Kamikaze diz...
Caro anónimo, também é essa a minha perspectiva, que tentei transmitir, para além do mais, no post. Pelos vistos não fui suficientemente clara.
23.10.04
Kamikaze diz...
É evidente, para quem conhece minimamente o funcionamento do CEJ, que o lugar de Director de Estudos (aliás, o substituto legal do Director) é fundamental na concepção e organização da formação. Quanto a prognósticos sobre se será um magistrado, mormente um juiz, a ocupar o lugar, não é preciso ser mediúnico para se adivinhar que a resposta é... SIM. Aliás, o nome até já é conhecido e representa uma solução de continuidade com o tipo de formação efectuada há uns poucos anos (mas já na vigência da actual lei), pois trata-se de um juiz "repetente" no cargo.
Assim, também não é preciso ser mediúnico para antecipar que, na sequência da anunciada reunião extraordinária do CSM, tudo no CEJ voltará rapidamente à normalidade.
Se Anabela Rodrigues não se encostar demasiado ao know how do seu nº 2 e à sua intrínseca propensão para aguentar com o mundo às costas, sem "piar" (ou seja, descodificando, se exigir mesmo as condições de trabalho que gritantemente faltam ao CEJ), se tiver capacidade de liderança e passar a instituir no CEJ o trabalho em equipa, com base em objectivos e responsabilidades repartidas, então talvez ainda se consiga algo mais que mera continuidade.
Cara Kamikase, acho que é ver para crer...
O "Néscio" não sabe que os juízes são órgãos de soberania e que, como o governo, podem fazer o que lhesdá na real gana...AH,AH,AH...
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