01 outubro 2004

Uma forma de “armadilhar” a opinião pública

A escola pública cada vez tem menos autonomia. E isso é um facto indesmentível. Basta referir, como pequeno exemplo, que, no ano passado, surgiu numa escola um inspector que citou passos do discurso do Ministro Justino para contrariar decisões do conselho pedagógico, como se tal literatura tivesse força de lei. Agora, como marca de um estilo de governação, o Governo vem dizer que delegou nos Conselhos Directivos das escolas a decisão de abrir as portas segunda-feira, apesar de ter concedido tolerância de ponto aos funcionários públicos. Isto é, entregou às escolas uma competência própria do Governo. Esta “generosidade” administrativa tem um objectivo claro: promover a ideia de que pior do que os erros das listas de colocação dos professores é o facto dos professores não quererem trabalhar.
Neste “chico espertismo” para “armadilhar” a opinião pública esteve também o alargamento da malha legal (anteriormente mais restritiva e exigindo parecer de uma junta médica, agora mais abrangente e bastando atestado médico) que permite os destacamentos. Diz-se que a lei foi criada com vista a satisfazer “encomendas” precisas. Mas, como há muita gente a ler o DR, milhares de professores aproveitaram as malhas da lei e, em conformidade com as suas disposições, solicitaram atestados comprovativos e pediram destacamentos. Agora, o odioso ficou para os professores e não para uma disposição legal “ad hominem”. Todo um capital de confiança necessário ao exercício da profissão de ensinar está a ser esvaziado pelo próprio Governo. E isto é mais grave do que à primeira vista pode ser pensado! Há muita gente que já pensa que os professores são um bando de vigaristas e tal como utilizam atestados médicos “falsos”, assim podem passar por cunhas os alunos.
Será que outras profissões podem ficar sossegadas com este estilo de “armadilhar” a opinião pública?!...

6 comentários:

Primo de Amarante disse...

Compadre Lemos: Foi por ler na "causa-nossa" o texto de Vital Moreira que me decidi a colocar o post sobre "Uma forma de «armadilhar» a opinião pública". Entretanto, falei com um colega do Sindicato que me disse que até se admirava não ter sido o número de atestados médicos maior, uma vez que a nova disposição legal é muito permissiva.
Mas o meu problema, e penso que concordará comigo, é o de esvaziamento do capital de confiança a que qualquer profissão deve ter direito. Se os princípios e os valores dos grupos que exercem determinada profissão forem postos em causa, diga-me o que podem esperar os clientes (no caso presente dos professores, os pais e os alunos) dessa profissão?!...
E como proteger esses princípios e valores que fazem a dignidade de uma profissão e a coesão social que deriva das expectavivas que cria, se se leva a concluir que o problema dos atestados médicos é da desonestidade de médicos e professores e não de uma lei onde todo o tipo de justificação pode caber?!...
Penso que ver as coisas só de um lado é ver metado do problema. Com isto, penso não cair no corporativismo.

Primo de Amarante disse...

Só mais uma achega. Não é a primeira vez que VM se apressa a tirar conclusões. E não só sou eu que o diz!

Primo de Amarante disse...

Compadre LC: No "causa-nossa" li, agora, que o médico Rui S. Santos (Médico de Família)também se indigna com o que escreveu VM. Deu um exemplo de um atestado que garantia que um determinado professor sofria de alergia ao leite (?)Só não acrescentou que o médico que atestou tal doença, só o pode fazer, porque a alergia estava considerada na lei como doença que permitia o destacamento. E se o professor sofria de alergia, por que é que o médico não podia atestar isso!?,,, Será que é legitimo dar a entendenter que a classe de um tal professor e a de um tal médico são classes de vigaristas?!...

Primo de Amarante disse...

VM e outros continuam, depois, a lavrar na mesma imparcialidade: atiram para os professores,para os médicos e para os respectivos sindicatos e respectiva ordem a ignomínia dos atestados e nada dizem sobre a lei que lhes dá cobertura. Vêem a árvore e não dão conta da floresta. E não consideram que, nesta selva em que vivemos, hà muita gente a pensar: " se tenho direito a esta justificação e não a uso, outros a usarão prejudicando-me". É este raciocínio de "selva" que dá origem a esta situação. Situação perversa para a dignidade das profissões e para a coesão social que, no meu entender, tem como principal responsável um governo que não tem sentido de Estado.

Primo de Amarante disse...

Caro Carteiro: esse dado, como objectivo, constitui o que os lógicos chamam uma ANFIBOLOGIA (Não utilizo as maiúsculas com outro intuito que não seja o destaque). Isto é, sustenta-se uma conclusão a partir da interpretação que postula ser da natureza dos médicos «passar atestados falsos» e da natureza dos professores «solicitar os "ditos"». E não haverá advogados, juizes e outras profissões que, num determinado dia, tenham precisado de um atestado que, numa leitura mais exigente, poderá ser chamado "falso"?!... E poderemos dizer que todos os atestados passados a professores são falsos?!... Penso que a generalização (a uma profissão -- e não a responsabilização indivídual) pode ser preconceituosa.
Talvez a questão se possa pôr a outro nível: por exemplo, por que razão os destacamentos passaram a ser considerdos primeira opção nas colocações e se abriu o leque de doenças susceptíveis de destacamento?!...
Num outro registo: por que razão é necessário justificar com atestado médico uma falta a um concelho de turma, a uma vigilância de exame, a uma reunião de avaliação, etc. Por que razão quem se esquece de ir a tribunal prestar declarações na data estipulada tem de justificar a falta com atestado médico ou sujeita-se a uma multa que vai até 890 Euros?!... Convenhmos que não concordando com o "roubar", teremos de concluir que neste caso também se aplica o ditado «a ocasião faz o ladrão».
Lançar sobre uma profissão (e não sobre este ou aquele prevericador) o labéu de desonestidade não me parece justo, nem me parece que tal labéu humilhante para uma profissão possa ser útil, a não ser a um governo que é incapaz de compreender a importância da função social do professor.

Primo de Amarante disse...

Acabo de ouvir o Norberto (vice-presidente da Câmara do Marco) dizer que Ferreira Torres justificará as suas faltas na Câmara (por estar na (pornográfica) "Quinta dos Fomosos"- são lindos, como diz o povo!)com atestado médico. Acha o meu amigo que algum professor teria este desplante?!... O Norberto não é professor, como sabe!