02 novembro 2004

DAQUI, DE MAPUTO

AS MESMAS SOMBRAS

No dia seguinte a ter chegado a Maputo, comprei o semanário “Savana” e o “Domingo”, cuja leitura foi a minha primeira aproximação à vida do país neste período de campanha eleitoral. Leitura que parecia querer empurrar-me de novo para a realidade portuguesa.

“Chissano, em entrevista de memórias, disse que gosta muito de assistir à TV. Mas não disse se assistiu, em Portugal, ao programa intitulado “Quinta das Celebridades”. Neste “show” filmado em ambiente fechado na recreação de uma “farma” do século XIX, convivem José Castelo Branco, também conhecido como o “rei do jet set português” e irmão do deputado Sérgio Vieira e outra “star”, Cinha Jardim, filha do empresário Jorge Jardim, da Beira, e antiga companheira do actual Primeiro-Ministro luso, Santana Lopes. As voltas que o mundo dá ...” – li no “Sabana”.

Semanário que me fez, mesmo, sentir que ainda estava demasiado perto de Lisboa, quando a seguir li que:

“Depois de Jonhatan Moyo, alguns sectores da comunicação social dão as boas-vindas ao ministro que tutela a comunicação social em Portugal. Morais Sarmento, um antigo “boxeiro” nas horas vagas, defende no seu país que a comunicação social do sector público não pode ser completamente independente. Uma ajuda preciosa para os sectores que em Moçambique querem uma maior governamentalização da RM e da TVM”.

Mas, quando lia o “Domingo”, tive, a certa altura, um desejo diferente: de estar em Portugal, a ler um jornal português.

“Senhores procuradores: o Domingo saúda a vossa luta, conhece muito do vosso trabalho e empenho, conhece as vossas dificuldades, sabe que percorreram um longo caminho e muitas vitórias alcançaram em circunstâncias adversas, sabe que são soldados da linha da frente no combate ao crime, mas também sabe, precisamente por causa disto tudo, que são um alvo a abater pelo crime organizado, que goza de meios muito mais sofisticados que o Ministério Público, que tem muito mais dinheiro, que se adapta às circunstâncias, que se infiltra no aparelho mais são, como faz o verme que se infiltra na maçã, que, por vezes, aqueles ou aquelas, que mais gritam contra a corrupção, ameaçando, constantemente, com prisão pelos motivos mais fúteis, podem estar objectiva e ingenuamente a fazer o jogo do inimigo”.
“Para interpretar a lei, a fim de a aplicar, não basta manejar a técnica jurídica, com a frieza de quem manuseia a tabuada. É, antes de mais, necessário, ser dotado de cultura profunda de Humanidade, circunstanciada no indivíduo, aqui e agora, conhecendo bem o ambiente em que ele se move”.
Isto, a propósito da reunião do Conselho Superior do Ministério Público que se vai realizar esta semana na cidade da Beira.

Por hoje é tudo.

Maputo, 01 de Novembro de 2004

2 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Parabéns pela oportuna e excelente crónica.
Quanto ao texto do "Domingo" relembro que por cá também não faltam palavras do género sobre o tema, até de altos responsáveis (pode mesmo dizer-se que actualmente é "um must" em qualquer discurso sobre formação). Alguns deles, contudo, sem qualquer intenção de contribuir para as fazer passar à prática. Pelo menos até há pouco tempo, mesmo dentro do CEJ (sendo já uma "sorte" se não houvesse boicote de ideias e iniciativas alheias). Hoje tomaram posse, no CEJ, os novos directores adjuntos. Vamos ver se o "tal discurso" passa a ser mais do que isso.

Kamikaze (L.P.) disse...

Referia-me APENAS a esta passagem:
“Para interpretar a lei, a fim de a aplicar, não basta manejar a técnica jurídica, com a frieza de quem manuseia a tabuada. É, antes de mais, necessário, ser dotado de cultura profunda de Humanidade, circunstanciada no indivíduo, aqui e agora, conhecendo bem o ambiente em que ele se move”.

Porque, quanto ao mais, é claro que não está na moda, antes é "politicamente incorrecto".