11 novembro 2004

Já existe o monopólio da palavra?

"Procurador era mais sensato se falasse menos", diz o Bastonário da Ordem dos Advogados.

Foram estas as palavras de Souto Moura que incomodaram o "Patrão da Justiça"?

«... Aconteceu porém que esta evolução que era paulatina e que se observava na nossa sociedade, veio a sofrer em 2003 por outros motivos um autêntico safanão, pouco previsível, o qual terá gerado no seio dessa sociedade reacções verdadeiramente paradoxais.
Descobre-se que instituições venerandas teriam sido cenário de comportamentos que a nossa consciência ético-jurídica reputa de altamente censuráveis. Descobre-se que personalidades conhecidas e estimadas ficavam a contas com a justiça imputando-se-lhes comportamentos insuspeitados antes.
À nossa comunidade custou aceitar que isso pudesse ter ocorrido no seu seio, e por isso vimos serem acolhidas actuações que, beneficiando claramente pessoas em concreto, foram acompanhadas por muita gente, não propriamente ligada à defesa, mas que se empenhou em expressões várias de simpatia. Ao mesmo tempo que inconscientemente, ou de má fé, se começava a lançar a desconfiança sobre as iniciativas oficiais que vinham a lume e que tudo faziam para que se organizasse um processo crime que não fosse mais do que um processo crime.
Em 2003, muitos portugueses se deixaram levar numa deriva que confundiu o essencial, o empenho na descoberta da verdade e a realização da justiça, com o meramente lateral. A propósito das vítimas, com quem de início todos se mostravam solidários, houve claras tentativas para as descredibilizar, para as aniquilar, para as neutralizar. Chegou-se ao ponto de se fazerem queixas crime contra elas por terem denunciado situações e nelas as autoridades terem acreditado.
Quanto ao aparelho de justiça que somos, e os portugueses não têm outro, muito embora o devamos melhorar, dele se deu um retrato negro.
O legislador processual penal foi tratado como tendo sido ao longo de anos um espírito manifestamente imponderado. De repente, todos os portugueses se consideraram processualistas eméritos e debitavam muitas opiniões a quente.
O segredo de justiça foi terrivelmente maltratado e o contraditório extravasou para a praça pública.
Aproveitou-se para atacar o estatuto processual penal e judiciário do Ministério Público, bode expiatório da disfunção do sistema, a ponto de se pretender que ele ficaria necessariamente dependente do depoimento, neste processo, de testemunhas em todo o mundo consabidamente vulneráveis, ou da convicção dos julgadores que se quer livre e se presume livre.
Mas importa que fique claro, de uma vez por todas, que a preocupação do Ministério Público neste como em qualquer outro caso é encontrar a verdade material, regendo-se por critérios de legalidade e objectividade e mais nada. É também por isso que só no âmbito do denominado processo da “Casa Pia” foram instauradas dezenas de processos por violação de segredo de justiça.
É mesmo altura de parar, olhar para trás e corrigir o que for de corrigir, porque acabamos de viver um autêntico delírio.
Os portugueses não têm o direito a saber, e por isso não podem pretender saber, tudo o que está neste ou em processos congéneres. Têm direito a saber só o que o legislador democraticamente eleito quis que pudesse ser conhecido por eles. E isso deveria ser interiorizado por todos, a começar pelos profissionais da comunicação social.
A justiça não será nunca alcançada se não obedecer às regras previstas para o processo. De uma vez por todas, tire-se o contraditório da praça pública evitem-se os juízos paralelos, e situemos a discussão de um caso em juízo no local donde nunca deveria ter saído, o tribunal.
O ano de 2003 deu-nos assim a oportunidade de construirmos uma democracia mais adulta.
Mas convém não ter ilusões. Nenhuma autoridade pública, por mais eficiente que se mostre, poderá acabar por si só com todos os desvios às regras estabelecidas. Tudo depende, também, do acolhimento ou rejeição que esses desvios tiverem na sociedade e, portanto, no fundo, de se saber se os portugueses estão interessados em atingir a maturidade do Estado de Direito em que vivem, ou se se conformam com uma lógica sensacionalista e consumista a fazer a prosperidade de alguns.
E é aqui que entronca, também, o papel positivo que a comunicação social poderá levar a cabo.
O sucesso ou insucesso de uma instituição, o prestígio ou desprestigio de uma pessoa, a gravidade ou banalidade de um facto não dependem tanto do que eles forem realmente, mas da ideia que sobre eles se incutir por vezes com propósitos muito determinados.
As nossas democracias são democracias da imagem que se transmite e das opiniões que se recolhem, e é neste ambiente que se jogam estratégias de instrumentalização das pessoas para as quais devemos todos estar precavidos.
E não me quero aqui referir à questão de se saber se o direito de informar deve ou não sofrer limites, porque como qualquer outro direito também este tem limites imanentes, ou está talhado para se articular, na nossa sociedade conflitual, com outros interesses também juridicamente protegidos. Muito menos se trata de aludir à clarificação da questão da sujeição ao segredo de justiça por parte de todos ou só alguns e quais.
Numa sociedade que é verdadeiramente moldada pela comunicação social, cabe a esta proceder a uma constante chamada de atenção de si para si própria, acerca da desproporção, tantas vezes gritante, entre o serviço que alegadamente se pretende prestar e os enormes danos, públicos ou privados que não podem deixar de ser previstos e acabam por se causar. Tudo sem reacção ou controle à altura.
Mas o que é mais importante é que o conhecimento de realidades, como a que desencadeou o processo “Casa Pia”, foi um sobressalto que acordou as consciências e nos levou a perguntar o que fazemos e como o fazemos para cumprir os nossos deveres, relativamente à infância e à juventude em geral...» - Relatório Anual da PGR, 2003.

2 comentários:

Anónimo disse...

Claro que existe o monopólio e a impunidade. Aí no Incursões ainda não tinham descoberto isso?

Anónimo disse...

Lido em http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2004/11/o-senhor-bastonrio.html


O SENHOR BASTONÁRIO
Quando frequentava a escola de ensino primário, o professor, um senhor de "certa idade", sempre nos cortava parágrafos inteiros das então ditas "redacções".
Achava ele que, e achava bem, vejo agora, que um texto para passar a mensagem, não deveria ultrapassar uma ideia central. De contrário, o leitor perdia-lhe o rumo.

Vou, ficando ainda com a lição, reter uma ideia que já aqui glosei em tempos: "...Toda a intenção ditatorial começa por calar a palavra.." – Libération, Paris –

Vamos lá, então.É incontornável, como ora se diz, e não aprecio muito, que o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, pela sua longa luta pela democracia que lhe vem dos tempos em que frequentava a Universidade Coimbra, pela sua dedicação, como advogado, às causas nobres da Justiça e, sobretudo pelo seu despertar longínquo pela causa dos mais desfavorecidos que suplicam dos tribunais justiça, não pretende retirar a palavra a ninguém, muito menos a advogados ou magistrados.

O que parece pretender transmitir, sem o dizer, e às vezes talvez não, é que o uso da palavra, o direito à palavra é só de alguns, como ele , Sr.Bastonário.
A verdade é que a nossa formação democrática, se é apenas colada de verniz, à menor riscadela, se esvai.

Pois é, se o Sr.Bastonário pensa assim, equivoca-se. Eu penso que não. São lapsos da tal formação democrática deficiente que todos tivemos nas faculdades de direito naquela altura em que por lá passávamos, mais interessados em noitadas do que propriamente naquele estudo sebenteiro que nos queriam impingir.

O Senhor Bastonário passa o tempo a repreender os magistrados por se pronunciarem sobre temas da justiça. O alvo, em geral, é o PGR.
Concedo-lhe que o PGR não é favorecido, como o Senhor Bastonário,por aquela figura imponente de actor de Hollywood, nem, pelo verbo fácil e vazio do Sr.Bastonário. É tímido, não acerta nos momentos adequados para se pronunciar e nem sempre trata os assuntos de modo escorreito.

Mas, como todo o cidadão, e como magistrado, como todos os magistrados, tem direito inalienável à palavra, mesmo dizendo coisas incorrectas. Não é isto a democracia, Senhor Bastonário?
E ao Sr. Bastonário, mesmo com seu bastão, não é legítimo pretender roubar a palavra seja a quem for, mesmo, ao contrário do que pensa, ao PGR, a menos que...a menos que se lhe tenha atribuído sigilosamente algum imenso lápis azul.

A menos que o Senhor Bastonário se tenha pela caixa de ressonância da única voz certa sobre os temas de que usa tratar.Senhor Bastonário, V.Excª não é o tutor do PGR, nem de nenhum magistrado que se saiba.Daí que, pronuncie-se como quiser, mas não mande calar ninguém, os seus pares não apreciam e eu também não. É que, como diz o Povo, e V.Exc.ª também, "pela boca morre o peixe" 11/11/2004

ALBERTO PINTO NOGUEIRA.


Publicado por josé às 11:34 AM


1 Comentários...
Que diz o Bastonário? Que o PGR devia falar menos, pois seria mais...sensato!
Presume sensatez, o Bastonário, para falar assim. E alvitra que se os arguidos têm razão de queixa de quem os acusou, devem por isso mesmo, manifestar essas razões, com outras queixas, contra quem os acusou! Diz, lapidarmente: "Sempre que um cidadão entende que não praticou determinado crime, tem o direito de se queixar contra a pessoa. Está previsto na lei e não tem nada de extraordinário. Acontece todos os dias e não percebo a indignação"

O Bastonário, às vezes, parece-me não medir bem as palavras sensatas que presume possuir.

O PGR referia-se a algo diverso. Era isto: "Chegou-se ao ponto de se fazerem queixas-crime contra elas( testemunhas), por terem denunciado situações e nelas as autoridades terem acreditado".

Em bom rigor, se as autoridades acreditaram nelas, não há denúncia caluniosa indiciada, para já e para logo também, pois só em julgamento se aquilatará da veracidade ou não do depoimento. O juiz Paulo Pinto de Albuquerque disse que a questão da prova nesse processo era essencialmente de convicção.
O Bastonário, como advogado, lida certamente com esta temática e complexidade. Lida com testemunhas e com depoimentos em que acredita e tem de acreditar.
Certamente que se não acreditasse, não proporia algumas acções que...também perde, por causa desses depoimentos não chegarem para convencer o tribunal.
O Bastonário sabe que é assim. Então para que anda por aí a falar por falar?! Exercício de bom senso? Exemplo de sensatez?!

As queixas contra testemunhas que se constituem como queixosas e ofendidas, não é um acto normal de de todos os dias, como diz o Bastonário.
O que é normal é os arguidos se defenderem das acusações, utilizando os meios processuais.
Se entre estes meios consta a intimidação de testemunhas através de queixas e pedidos de indemnização faraminosos, ANTES de se se produzir qualquer prova em julgamento, isso nada mais é do que pressão inadmissível para condicionar testemunhos.
E o Bastonário sabe muito bem que assim é.
E por isso anda a falar demais, o que neste caso concreto já nem é novidade.

Por josé, a 12:11 PM