16 novembro 2004

A justiça e a doença

Seria interessante analisar a luta pelo protagonismo judiciário na comunicação social nestes últimos anos. É uma luta em que cada um fala de interesses próprios, mas parecendo que assume o rosto universal da Justiça (decididamente com maiúscula). Aliás, arvorando-se mesmo em paladino dessa mesma Justiça que diz representar de forma particularmente generosa e altruísta, despido de estreitezas corporativas, ainda quando ataque as outras «famílias» judiciárias, elas sim eivadas desse corporativismo estreito. Só quem fala de um lugar assim «abrangente», desinteressado e coincidente com o interesse geral reveste as características necessárias para merecer crédito, como se sabe. Os interesses particulares que se querem promover sempre se mascararam com a representação do interesse geral.
Na presente conjuntura, são os advogados quem está ou pretende estar na dianteira desse protagonismo. Já foram outras profissões judiciárias: o Ministério Público, os juízes, etc.
O que é curioso é ver como cada qual aparece como o salvador de um sistema em crise, do qual, ao mesmo tempo, se exclui da respectiva responsabilidade. Assim é que, a par das tradicionais «chapeladas» à comunicação social, sempre digna da maior consideração (não fosse ela o palco onde cada um se exibe em nome do tal interesse geral do país, da democracia e do povo português), abundam ultimamente as metáforas de doença, que supostamente ulceram e mesmo paralisam o corpo da Justiça. E transparece dos discursos que se produzem o desejo afirmado de acudir instantemente ao referido corpo enfermo e já em vias de passamento para o outro mundo, isto é, para o nada. Como é evidente, os produtores desse discurso é que reúnem as condições ideais para serem os médicos de excelência que hão-de restituir a saúde e mesmo a vida ao corpo moribundo da Justiça. Daí que na Ordem dos Advogados, agora em fase de luta eleitoral, resida a principal força motriz da mudança, isto é, para usar metáforas equivalentes, o principal estabelecimento clínico de cura.

Artur Costa

1 comentário:

Primo de Amarante disse...

Entretanto, um facto, noticiado hoje pelo JN, destapa algo que está podre e é revelador do resultado “das guerras” (ineficazes)a que se refere o Sr.Conselheiro.

Avelino Ferreira Torres, presidente da Câmara do Marco de Canaveses, condenado a três anos de prisão, suspensa por quatro anos, pelos crimes de peculato e peculato de uso, pode não perder o mandato, conforme foi decretado pelos juízes. Isto porque a sentença é de 11 de Junho e o recurso, que entretanto interpôs, ainda nem sequer entrou na Relação do Porto.
A empresa (indicada por Ferreira Torres) a quem foi atribuída a função de transcrever as cassetes do julgamento, por razões inexplicáveis não o fez e a consequência é que o atraso do "trânsito em julgado" da decisão, pode comprometer a própria utilidade da sentença do Tribunal.

Os juízes aplicaram a Ferreira Torres a pena acessória de suspensão de mandato. A perda de mandato só diz respeito ao mandato que Ferreira Torres ainda exerce, o que significa que se voltar a ganhar as eleições, daqui a menos de um ano, sem que a decisão transite em julgado, ela torna-se imediatamente inútil.

Além disso, mesmo que Ferreira Torres perca o recurso da Relação, ainda existem outras instâncias para onde pode recorrer. Designadamente, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional.

Se fosse um "pilha galinhas", tudo decorreria com a brevidade normal. Mas AFT tem (recentemente) muito dinheiro e é um político que até vai à "Quinta das Celebridades"

Logo, os "maus da fita" só poderão ser os que, no cumprimento do dever de exercerem a cidadania, denunciaram as arbitrariedades e abusos do poder de A.F.T.

Assim é a conclusão da forma como vão funcionando as instituições.