Embora com lamentável atraso, regista-se aqui o ponto de vista do Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Dr. Luís Felgueiras, publicado no DN do passado dia 12, a propósito deste artigo de opinião do Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Miguel Júdice:
Com publicação recente no DN de dia 5, veio o sr. bastonário da Ordem dos Advogados lançar um conjunto de comentários a propósito de um título deste periódico, inserido na edição de dia 1, onde se dizia estarem os magistrados do Ministério Público receosos do «lobby da advocacia» quanto a uma possível mudança, para esta, das competências de patrocínio na jurisdição laboral e no contencioso do Estado.
Diga-se, desde já, que o referido título não está em inteira conformidade com a notícia inserta no interior, mas, verdadeiramente, não é isso que importa. Relevante e, do mesmo passo, esclarecedor é, sim, o estilo utilizado e, sobretudo, o remate que finaliza o artigo. Está fora de questão, como é natural, o respeito devido à personalidade do sr. bastonário. Porém, o texto em causa, eivado de uma ostensiva arrogância, constitui, em síntese, uma severa reprimenda aos magistrados do Ministério Público e ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, todos eles, na opinião do autor, a portarem-se mal, revelando a «habitual ingratidão» e dedicando- -se a «morder a mão dos advogados que os ajudam», ao invés de agradecerem um magnânimo e continuado auxílio. Quanto ao poder político, o aludido escrito consubstancia, por sua vez, uma solene advertência, como adiante se verá.
E tudo isto porquê? Porque tendo o sr. bastonário, consabidamente em 2002, defendido a autonomia desta magistratura contra o Programa de Governo do PSD (que a propunha reduzir, ao contrário do que preconizava o PP) tal facto deveria, em seu modo de ver, justificar que o Ministério Público e o seu sindicato - penhoradamente reconhecidos - abrissem mão a favor da Ordem dos Advogados daquelas invejáveis prebendas: a representação dos trabalhadores no foro laboral e o contencioso do Estado. Ora, não se denegando, como é óbvio, a possibilidade e o direito de se ter outra opinião sobre aqueles temas concretos - e assim o tem feito o SMMP, sem os encarar como propriedade sua, e promovendo o debate racional sobre eles - supunha eu que o aceitar o princípio da autonomia do Ministério Público, pois que de princípios se tratava, o fora convictamente, como conceito fundamental estruturante do sistema judiciário português surgido há quase 30 anos.
Acresce ainda ter sido esta mesma ideia de valorização de alguns conceitos basilares a razão primeira que levou o SMMP, a Ordem dos Advogados e as restantes entidades do Congresso da Justiça a exararem na sua declaração final esta elucidativa passagem: «Afirmam - com toda a intensidade e determinação e no claro respeito do que resulta do texto constitucional - que a independência da magistratura judicial, a autonomia do Ministério Público e a liberdade dos advogados e solicitadores são os três pilares nucleares em que se estrutura o edifício da justiça e através dele o Estado de direito democrático: se em Portugal estes princípios não estiverem assegurados ou se as condições reais e efectivas para a sua existência estiverem ameaçadas, não será possível verdadeiramente falar em Estado de direito.» (sublinhado meu).
Verifico agora, afinal, que, na óptica do sr. bastonário, a autonomia do Ministério Público é um bem fungível e submetido a transacção; que é, outrossim, passível de troca e, logo, deve ser compensada com cedências várias.
Mas o requisitório não se queda por aqui; após a admoestação, vem a irreversível cominação como sequela duradoura, qualquer que seja o candidato a bastonário eleito. Quer dizer: sem o apoio da Ordem dos Advogados, a consagrada autonomia acabará inelutavelmente por se extinguir ou ser diminuída, de nada valendo, então, as posições que o Ministério Público e o SMMP possam assumir. Cabe ainda perguntar, depois, se a sanção tem continuidade ao nível do poder político (stricto sensu) postergando mesmo, ou condicionando, outra visão do próprio Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo, sobre o assunto, provavelmente mais conforme com a sobredita declaração de princípios. Estamos assim entendidos em matéria de princípios da ordem jurídica portuguesa. Por isso mesmo, ainda bem que o sr. bastonário disse o que disse, e como disse, de forma tão clara.
Sem comentários:
Enviar um comentário