18 dezembro 2004

Comme une Image

Eu e a minha filhota saímos da sala de cinema com a sensação de estarmos "de papinho cheio" o que, não sendo assim tão frequente, nos desatou a língua, contentes por estarmos em sintonia nos comentários que, à uma, não queríamos deixar de fazer sobre a estória, as personagens, o "clima" do filme que acabáramos de ver: «Olhem para mim», "tradução" redutora do título francês «Comme une image».
Uns dias depois, ou seja, hoje, leio finalmente uma crítica que, segundo a filhota já me dissera, parece afinar por um diapasão comum a outras (as mais benevolentes):

"Depois da estreia na realização com "O Gosto dos Outros", este é o segundo filme de Agnès Jaoui. Desapareceu o efeito de surpresa, isso é certo, e "Olhem para Mim" (título de eficácia duvidosa face ao original "Comme une Image") assemelha-se - aceitamos que demasiado - à aplicação cuidadosa e calculada da mesma receita.
Não apenas a receita de "O Gosto dos Outros" mas também a do mais célebre argumento assinado por Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri (a dupla mantém-se inalterada, na escrita e no elenco), o de "É Sempre a mesma Cantiga", de Alain Resnais: um mosaico de personagens, vai e vem constante entre umas e outras, encontros e desencontros, umas quantas coincidências, atribuição à música de uma função entre o simbólico e o catalisador. "Olhem Para Mim" repete tudo isso, de facto: parece ser sempre a mesma, a cantiga de Jaoui, e desta vez nem houve muita gente para ir nela, a julgar pela reacção tépida (na melhor das hipóteses) que o filme encontrou em França.
Mas é uma cantiga que tem as suas virtudes, e pelo menos por agora elas ainda nos parecem suficientes para que não se menospreze o novo filme de Agnès Jaoui. No registo de naturalismo quotidiano e "mundano" em que se instala a realizadora, parece-nos mesmo que é difícil encontrar exemplos contemporâneos mais bem sucedidos."
Luís Miguel Oliveira,
Público

Eu, que não tenho pretensões a crítica de cinema, diria que neste filme de Jaoui as suas qualidades como argumentista, realizadora e actriz se mostram (ainda mais) consistentes e amadurecidas. Não me parece o filme "mais do mesmo" relativamente a "O gosto dos outros", que apostava num registo mais fácil de sedução do espectador, pelo uso de gags de irresistível efeito cómico; por outro lado, era bastante previsível no seu (desenvolvimento e) desfecho...
Não há, no novo filme de Jaoui, plano ou diálogo que sejam supérfluos, as personagens, até à mais (aparentemente) secundária são construídas com total substância e têm um papel decisivo na criação deste subtil olhar sobre as motivações e complexidade dos comportamentos humanos, na sua interioridade e no seu relacionamento afectivo, familiar e social.
A quem me ler, uma sugestão: vão ver esta fita.

2 comentários:

Primo de Amarante disse...

Eu, que já fui cinéfilo,sócio de um cineclube e apaixonado pelo cinenima (com o Braz, aquele amigo, hoje catedrátco em Belas Artes, que tanto fez pelo cinema de animação), sinto-me um analfabeto. Empantorrei com tanto cinema e raramente, agora, o frequento. A minha mulher e a minha filha mais nova continuam. Falaram-me desse filme e ao ouvir a Kamikaze a desabafar um diálogo entre cinéfilas (mãe e filha) eu sinto-me um parolo, próximo dos australopitecos. Mas, tal como aprecio a relação que a minha mulher tem com a nossa filha, assim sinto essa admiração que a Kamikaze tem com a sua filhota. Eu tenho uma outra filha, que tem o curso de engenharia e, depois de trabalhar na Auto-europa, está numa empresa japonesa, em setúbal. Esta tem tudo a ver comigo. Gosto mais de conviver, dos bons almoços e de frequentar o ar-livre com passeios pela montanha ou pelo campo. Parece-me que o código genético explica muita coisa: deixamos a nossa marca nos nos nossos rebentos, umas vezes com acento tónico nos gâmetas masculinos; outras vezes, nos femininos.Umas vezes ficam as potencialidades mais culturais, outras as que estão mais próximas dos australopitecos.Mas, como é bom uma boa relação com os filhos!

Primo de Amarante disse...

Só mais uma achega: na passada quinta-feira dei, na caça, um tombo enorme na serra da aboboreira. O mato tinha tapado um pequeno (mas profundo) ribeiro e eu caí. A cadela (perdigueiro portugês legítima) gania, preocupado com o ter-me visto desaparecer no fundo do mato. Consegui sair e, recebendo um telefoema da minha mulher,contei-lhe o episódio. Logo de seguida, a minha filha mais nova ligave-me: «oh pai, aleijaste-te muito?!..». Pouco depois, telefonava-me, de Setúbal, a filha mais velha: «oh pai, que tal a sensação?!...»
Dois paradigmas que traduzem modos de entender a vida diferentes: um mais ligado à mãe; outro, mais ligado ao pai. Um mais urbano, outro mais telúrico. Devo dizer que a resposta à minha filha mais velha foi agradável e mais demorada: descrevi-lhe uma sensação que foi empolgante, embora saísse todo mulhado e picado pelo mato.