07 dezembro 2004

FOI NO SÁBADO

Tomava a bica no Café Coreto, em Faro, com o sol que nesse dia tinha tido o comportamento democrático de nascer em todo o país a incidir na ria, logo pela manhã, e a leitura dos jornais antecipava o que me iria ocupar nas horas seguintes. As últimas sobre Pinto da Costa, a biografia e o “Apito Dourado”; um lúcido e pertinente artigo de Barradas Leitão sobre a Autonomia do Ministério Público, no Expresso; partes do discurso do Ministro da Justiça na abertura do II Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, no Público – como prelúdio da participação no segundo dia dos trabalhos deste mesmo Encontro, cujo “telão de fundo” (que me desculpe António Lobo Antunes por ter ido roubar esta expressão fotográfica ao seu “Hei-de amar uma pedra”) era o segredo de justiça e o dever de reserva dos juízes.
E quando ia, Vila Adentro, para o local do encontro onde ainda mora a Secretaria de Estado do Turismo, soube que os resultados da votação para Bastonário da Ordem dos Advogados [cujo acompanhamento na véspera tinha trocado por um imperdível arroz de lingueirão com eirozes (que indevidamente se chama ao contrário) no Camané, na Ilha de Faro] tinham ditado o terceiro lugar para o candidato João Correia, o que me surpreendeu tanto como me surpreende hoje não ter lido nem ouvido ainda o que me parece óbvio: que há um grande derrotado nestas eleições, o actual Bastonário José Miguel Júdice. Quando cheguei, o discurso do Ministro já tinha passado. O resultado das eleições para a Ordem dos Advogados ainda fervilhava, mas a surpresa que estava na cara das pessoas era a da votação em António Marinho.

Depois de ter sido tratado o tema do segredo de justiça, cujo debate incidiu essencialmente sobre o modo como se deverá concretizar a consensual desnecessidade de todos os inquéritos criminais estarem sujeitos ao mesmo regime de segredo de justiça – uns a favor da distinção abstracta, outros a favor da decisão casuística –, coube-me, conjuntamente com o advogado José António Barreiros, desempenhar o papel de “interlocutor preferencial” do conferencista Orlando Afonso, num debate em que o dever de reserva foi abordado num sentido não restrito ao texto do artº 12º do EMJ (84º do EMP), mas englobando também a proibição do “exercício de actividades político-partidárias de carácter público” e todos os deveres inerentes à preservação da imparcialidade e da dignidade da função judicial, e em que não foi esquecido o contexto da mediatização da justiça, realidade irreversível com a qual as magistraturas insistem em lidar de forma atomística e amadora, oscilando frequentemente entre a ilusão de que a podem reverter e a cedência à sua sedução.
Mas porque é que as palavras ficam diferentes quando se muda de assunto!?

Os textos vão ser publicados pelo CSM e prometo que quando as notas escritas que me orientaram deitarem corpo e forem texto, as partilharei convosco.
Por isso, do Encontro, só quero ainda dizer: gostei de participar e parabéns pela ideia e pela organização. E que é preciso continuar a abrir este caminho com a determinação daquele homem da escultura de madeira em tamanho natural que pude admirar no pátio do Centro Cultural de São Lourenço, que, de braços retesados, afasta as margens que o teimam em comprimir.
Alguém me sabe dizer o nome da escultura e do autor?

Depois de ter dado uma espreitadela rápida ao mar vagaroso, mais solitário do que o meu porque não recolhe o sol, agora de férias mas todo ele lá ao contrário da dona da chave da Igreja de São Lourenço dos Matos que logo avisou “eu não estou, vou de férias amanhã”, rumei a Norte. E em pouco mais de quatro horas pus-me em Coimbra.

Coimbra, dia da ida de Pinto da Costa ao Tribunal de Gondomar, 2004

3 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Rui - bela crónica, fez-me saudades dos tempos (parecem tão longínquos) referidos hoje em post pelo carteiro(*), quando andava por aqui um certo turista incidental.
Como vês tentei, mas a promessa de ilustrar o presente post fica adiada por ora (hoje?), devido a dificuldades técnicas-material algo obsoleto.

(*) Que pena não conseguir comentar o post do Carteirito...

Primo de Amarante disse...

Caro Amigo: por aquilo que tenho ouvido entre advogados, não constitui surpresa a votação em António Marinho. Segundo se diz, era o único que contrariava uma advocacia feita nos corredores do poder.
Quanto à escultura, não sei quem é o autor, mas terá de certeza a ver com o poema de Brecht "
"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem".

Kamikaze (L.P.) disse...

Título da escultura: sansão

Autor: Francisco Leiro (galego de Cambados)
ver, por exemplo, em http://www.elcultural.es/HTML/20040325/Artes/ARTES9184.asp
- "Me interesa más la memoria del cuerpo que su representación"