O Natal tornou-se numa festa cristã, a partir do séc.III por contraposição à festa pagã do solstício de Inverno (altura em que o Sol atinge o ponto mais a sul do equador - ou seja, o primeiro dia de Inverno).
A conotação da festa do Natal com o Sol está de tal forma presente nos primeiros cristãos que estes celebravam a vinda do Verbo Divino feito homem como a festa do "Sol da Justiça".
Na verdade, Deus, sendo fiel à sua palavra (anunciada pelos profetas) consubstanciou a conduta recta do justo. Comemorar o Natal pressupõe, por isso, referências da memória. A própria ideia de associar o Natal à festa da Família prende-se com o que ficou dito. Não há família, nem amigos, sem memória. Plagiando Santo Agostinho, diríamos que a família e os amigos são um «presente do passado».
O que está para acontecer, o Futuro, é um nada. O Futuro só tem sentido por referência ao passado: temos de construir o progresso evitando os erros do passado. Talvez porque isto nem sempre tem acontecido, alguém chamou ao desencanto do mundo a «memória do progresso».
A memória implica sentimentos de fidelidade, pertença e, ao mesmo tempo, precariedade. A palavra que melhor expressa estes sentimentos é «saudade». Sinto saudade, quando me vem à memória uma amizade a que sou fiel e não posso vivê-la no presente.
O Natal é também romagem de saudade: recordamos episódios de infância, encontramos amigos e sentimos o calor da família. E tudo isto eleva-nos e faz-nos felizes, porque toda a dignidade do homem reside na memória.
Pela memória, o homem é espírito, abre-se aos valores e constrói o Futuro. A memória é central na coesão da família, dos amigos e da vida comunitária.
A própria democracia exige memória. Sem memória, a vontade colectiva não se afirma e, por isso, a crise da democracia é o reflexo da falta de memória.
Dizemos que o nosso tempo é tempo de crise, porque constatámos que nele tudo é efémero, tudo se frui sem vínculos, as pessoas relacionam-se umas com as outras sem compromissos, nem responsabilidades.
Assemelham-se aos denominados «produtos light». O que se diz hoje, desdiz-se amanhã e tudo soa a falso, sem que ninguém exija ou se preocupe com a verdade. É um tempo de «baixo teor calórico» feito de pragmatismo e politicamente correcto. Nunca se sabe onde a democracia se confunde com a própria demagogia.
Dar sentido ao Natal é, por isso, ter presente as consequências da memória nos costumes, na família e no rumo da nossa vida colectiva. Não só adquirir o tradicional bacalhau, transmitir votos de Festas Felizes, encontrar-se com a Família ou Amigos e celebrar o nascimento do Deus Menino, mas também abrir-se às referências históricas que configuram os valores da fidelidade, da justiça e da solidariedade e aprender com os erros a dar esperança ao Futuro.
Só este espírito pode fazer de um dia, o Dia de Natal.
Um BOM NATAL para todos os que escrevem neste blog.
17 dezembro 2004
Natal, uma romagem da memória
Marcadores: Primo de Amarante (compadre Esteves-JBM)
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2 comentários:
Um Natal feliz e o Ano Novo de paz.Muita paz. A todos.
Abraço,
Silvia
Sábias e belas palavras compadre, que reenviarei criteriosamente, tal como fiz com este seu outro escrito, que nos relembra aquilo que devia ser evidente mas que, muitas vezes, já nem nos ocorre. Obrigada.
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