Nos tempos modernos, alguém resolveu que a função do Juiz é interpretar e aplicar a lei. Só que essa tarefa é própria do múnus do Juiz, não é do juiz enquanto indivíduo. O Juiz interpreta e aplica o Direito que vigora na Comunidade. O Direito tem fundamento democrático. O Direito não é o que cada juiz quer. A opinião voluntária de quem exerce a judicatura não é nem pode ser relevante. O voluntarismo jurídico dominante, como corrente jusfilosófica pós-moderna de cariz neoliberal, conduz ao fim do Direito. Não pode o cidadão ficar sujeito à opinião de cada juiz. Se for julgado por este é absolvido; se for julgado por aquele é condenado. Onde está o Direito ? A Justiça não é aplicação da lei ao caso concreto; a justiça é dar a cada um o que é seu. A função e tarefa dos tribunais é fazer Justiça. A Lei e o Direito são os instrumentos que a comunidade dispõe para que Justiça se faça. Por isso, na comunidade o sentimento de Justiça prevalece sobre o Direito. Nunca um resultado injusto e intolerável para a comunidade pode ser legal. Nesse caso, o mais certo é a interpretação da lei estar errada. A interpretação e aplicação há-de sempre conduzir à Justiça.
O voluntarismo de cada Juiz, que interpreta a lei como lhe apetece (e não há aqui nenhum processo de intenção), provoca a instabilidade social e cria a desordem económica. Em Portugal, grande parte das dificuldades na captação de investimento decorre da incerteza das decisões judiciais. É que há acórdãos para tudo, passe o exagero.
A Lei e o Direito (não são a mesma coisa) constroem-se ao longo do tempo, pelo que a sua interpretação tem de ser actualizada e o seu texto contextualizado.
Para exemplo, podemos socorrer-nos da Bíblia. Os textos dos Evangelhos não foram escritos por Mateus, Marcos, Lucas ou João. Foram-lhes atribuídos. Os textos formaram-se nas primitivas comunidade cristãs, com base no ensino dos Apóstolos e na transmissão dos conhecimentos de fé. Eles representam, não um livro histórico, mas sim uma teologia. São o resultado da reflexão da comunidade que assim assume a História e a interpreta de acordo com a Fé. O disparate de se afirmar que qualquer um pode ler a Bíblia e interpretá-la à sua maneira conduziu a aberrações sem qualquer sentido e provocaram divisões, ódios e guerras, cujos efeitos ainda hoje sentimos.
Assim também no Direito, há que perceber quais os fundamentos das normas escritas, os seus contextos e interesses fundamentais da comunidade que se querem preservar.
No caso concreto de "Pinto da Costa", há demasiadas perplexidades que me chocam. Agora é preciso deter os cidadãos para prestarem depoimento ? Não é mais barato convocar por carta, fax, mail ou telefone ? É preciso chamar a comunicação social? É preciso manter as pessoas em longos interrogatórios, em que obviamente a capacidade das pessoas fica diminuída? Como é possível proibirem-se cidadãos de contactarem com os advogados ? Como é admissível que os arguidos sejam proibidos de contactarem com outros arguidos mesmo por interpostas pessoas? Parece que as testemunhas podem contactar entre si e com os demais intervenientes do processo. A acusação pode falar com quem quiser; a defesa não pode. Se os advogados falarem entre si, os clientes vão ser detidos? Se calhar, todas as decisões estão fundamentadas e serão legais. Mas serão justas? É esse sentimento que não tenho. Oxalá, venha a descobrir que estava errado.
David Rocha Ribeiro (Advogado)
(o mesmo a que me refiro no meu post "Coisas da Justiça")
10 dezembro 2004
O Direito e a Justiça
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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