07 dezembro 2004

Parabéns, Dr. Soares (e a história de um encontro memorável)

1986. Estávamos em plena pré-campanha eleitoral para as presidenciais. Eu tentava, num equilíbrio imperfeito, conjugar o jornalismo com as frequências na faculdade. Pelo Teatro das Letras, iam passando os candidatos. Falhei Salgado Zenha e falhei Maria de Lurdes Pintasilgo. Estive lá com Freitas do Amaral, de quem, supostamente, eu era apoiante, mais não fosse por era, à data, membro da Distrital do Porto do CDS. Freitas nunca me entusiasmara particularmente, talvez na altura fosse apenas uma questão de estilo e hoje talvez seja por mais alguma coisa que isso.
Dias depois de Freitas, chegou Mário Soares, que já tinha travado o célebre debate com Salgado Zenha e que ainda se arrastava penosamente nas sondagens, que lhe auguravam uma derrota estrondosa.
Soares fez a sua exposição. Curta. As centenas de pessoas que ali estavam pareciam pouco entusiasmadas. Passou-se ao debate. Coloquei a primeira questão, já não sei qual foi, mas que queria dizer mais ou menos isto: Eu não sou seu apoiante, mas estou aqui para ver se o senhor me convence.
O ambiente aqueceu. Já não era um debate, era uma espécie de entrevista ao vivo. Soares falava-me nos olhos a cada questão que lhe coloquei, e foram questões difíceis. Eu tinha uma enorme irreverência, Soares tinha uma enorme sabedoria e percebeu que se me convencesse - interlocutor mais ou menos hostil -, convenceria a maior parte dos que ali estavam.
Foi um debate memorável. No fim, Soares desceu do palco, veio ter comigo e com aquela bonomia que se lhe conhece, perguntou-me: Então, convenci-o? Pensei dois segundos: Convenceu, Dr. Mário Soares, mais não seja porque o senhor merece ser Presidente da República, pelo que já fez pelo País.
Despediu-se com um abraço. Minutos depois, os assessores de campanha já me tinham convencido a fazer um tempo de antena de apoio. Um escândalo! Soares ganhou, foi presidente e eu senti que contribuí para isso.
Em 1991, quando todos eram apoiantes de Mário Soares, eu não me envolvi. Nessa altura já nada tinha a acrescentar. Nem sequer fui votar: no dia das eleições nasceu a minha filha.
Hoje, olho para trás, e sinto que fiz o que devia. Mas também é verdade que este episódio só vem confirmar que eu não tenho jeito nenhum para a política. A política não se faz com o coração, pois não?
Parabéns, Dr. Mário Soares.

1 comentário:

bloom disse...

Também estive nesse debate e fiz-lhe uma pergunta um bocadinha parola sobre gavetas, socialismo e arqueologia, citando o Eduardo Prado Coelho, que ele despachou rapidamente, confundindo-me com um aluno de Letras, dizendo que era normal que ali naquela Faculdade eu fosse obrigado a ler aquelas inanidades. E, tirando o pormenor de ele não saber que eu andava
na Faculdade ali ao lado, não é que ele tinha razão? Serviu-me de emenda: nunca mais citei o EPC!