17 janeiro 2005

A justiça é algo que não existe

«Todas as sociedades, até ao século XX, distinguiam duas esferas, a que os romanos chamavam o otium, isto é, a actividade livre consagrada à cultura do Eu, completamente independente da subsistência, e o negotium, o enriquecimento material, a satisfação da parte animal do homem. Para falar noutro vocabulário, o homem tem dois planos, o da subsistência e o da existência. É o plano do espírito, o plano da existência, que cultiva a relação com aquilo a que chamo consistências. O que é uma consistência? Dou um exemplo: a justiça. É algo que não existe. Tudo o que faz parte do mundo humano é injusto. Na minha juventude fui marxista e comunista. Era uma época em que se acreditava que era possível fazer uma revolução que tentaria instaurar uma justiça na terra. Hoje, já não acredito nisso, e penso que já ninguém acredita. Mas não renunciei à justiça. Direi que a justiça não existe, mas continua a «consistir» e deve organizar os nossos modos de vida. Há a urgência, hoje, de cultivar a ideia de justiça, de cultivar a ideia de verdade científica, de cultivar a ideia de uma necessidade artística, de cultivar, em suma, aquilo a que chamamos as consistências espirituais» ...

(Expresso - «Actual» - entrevista de Bernard Stiegler a António Guerreiro «A técnica e a condição actual do capitalismo»)

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