06 janeiro 2005

Lista B
protoentrevista


Da mandatária da lista B às eleições para o CSMP, Procuradora da República Fernanda F. Oliveira, recebi, com sugestão de divulgação no Incursões, o texto que segue, com respostas a perguntas efectuadas pela comunicação social e que não tiveram, até ao momento, difusão.
Tendo em conta que a divulgação das motivações de cada uma das duas listas candidatas se limitou, já à beira de férias judiciais, à divulgação, por mailing e através do site do SMMP, de curtas exposições, é com gosto que acedo à solicitação efectuada. E, se é certo que a iniciativa já pouco contribuirá para o debate ante-acto eleitoral (as eleições realizam-se hoje), ao menos servirá, se for caso disso, para que os magistrados do MP possam vir a fazer o cotejo entre as proclamações e os actos... :)

P.1 - Esta é a primeira vez que concorrem duas listas para o CSMP. Por que razão apresentam esta candidatura?

R.- Desde logo por exercício democrático: as eleições para o CSMP têm, tradicionalmente, uma participação muito baixa, por vezes mínima e tem existido um considerável distanciamento do conjunto dos magistrados face à actividade dos seus representantes. Por outro lado, sentiu-se a necessidade, num momento que reputamos de grande importância para o Ministério Público e para a Justiça, de apresentar vozes autónomas, não enquadradas necessariamente no contexto sindical, e todas ligadas, de modo efectivo, ao quotidiano dos tribunais.

P.2 - Trata-se de uma candidatura de reacção à lista A e de ruptura com o actual CSMP? Por que razão?


R. - Não é, nem poderia ser, uma candidatura de ruptura com o CSMP, dado que se trata de um órgão colegial que integra uma pluralidade de ideias sobre o MP, a sua natureza, organização e direcção. Pretende-se, contudo, dar eco às vozes de cada magistrado, por auscultação, debate e apresentação de propostas.
O CSMP é sede própria onde os magistrados do MP, por dever estatutário de reserva, podem exprimir as suas opiniões.
Tendo presente esse objectivo, não é uma lista de reacção (até porque só é B, por via de sorteio) mas de acção.

P.3 - O que pretendem mudar no funcionamento do CSMP?

R. - O CSMP tem uma estrutura complexa, mas equilibrada. A multiplicidade de funções que lhe está atribuída exige iniciativa quanto às grandes questões da justiça e do MP.

Nos termos do Estatuto do MP compete-lhe propor ao PGR a emissão de Directivas e ao Governo que adopte iniciativas legislativas.
Para atingir esse propósito torna-se necessária a instituição de mecanismos que libertem a agenda do CSMP, esgotada com as questões inspectivas e disciplinares.
Deve o CSMP procurar a participação efectiva de todos os magistrados na gestão do MP, instituindo uma relação de interacção (assente na comunicação) com os magistrados.
Importa que o CSMP concentre particular atenção nas regras de colocação e classificação dos magistrados.

P.4 - No texto que apresentam sobre as motivações para a apresentação de uma lista, pode ler-se que são preocupações: a defesa da autonomia do Ministério Público. Sentem que essa autonomia está ameaçada? De que maneira? Por quem ou pelo quê?

R. - A autonomia do Ministério Público tem especial incidência nas suas atribuições no processo penal e consiste, em linhas simples, na exclusão da interferência de outros poderes na sua acção concreta.
Isto é, quando investiga um crime e quando decide pela acusação ou arquivamento em processo criminal, o magistrado do Ministério Público não recebe ordens ou orientações do Governo, da Assembleia da República ou de qualquer outro órgão constitucional ou entidade externa.
E, mesmo sendo uma magistratura hierarquizada, a intervenção da cadeia hierárquica nas concretas investigações encontra-se definida no Código de Processo Penal e no Estatuto do Ministério Público, devendo reflectir-se, de forma transparente, no processo.
A autonomia do Ministério Público não confere qualquer vantagem pessoal ou estatutária ao magistrado; ao contrário, obriga-o a uma maior responsabilidade na decisão e a responder pela bondade e sucesso, não só do seu trabalho, como da actividade investigatória das polícias.
A autonomia está dificultada diariamente. É notório o desinvestimento nos meios humanos e logísticos afectos a esta magistratura. Basta levar em linha de conta, por exemplo, a gravíssima carência de oficiais de justiça, sobretudo nos DIAPs, com a consequente policialização do processo na fase de investigação.
Por outro lado, sempre que determinado aspecto da intervenção processual desta magistratura se mediatiza, surge a tentação de reescrever o seu modelo organizativo e funcional, com assento na Constituição da República.


P.5 - Que alterações defendem nos modelos de organização e intervenção do MP, de maneira a aumentar a eficácia no cumprimento das funções?

R. - A eficácia é um objectivo não depende exclusivamente de nós.
Quando o utente dos serviços de justiça penal pede contas ao Ministério Público, este responde, com as condições que tem, pelo seu serviço, pelo serviço das polícias, do sistema médico-legal, dos peritos, das repartições de Finanças em matéria de crimes fiscais, etc.
Uns dão conta dos sucessos, nós prestamos contas do restante…
Mas há muito a fazer: a implementação de boas práticas, a formação para a direcção e gestão, a adopção de procedimentos tendencialmente uniformes para a criminalidade de massa, a aposta na defesa de direitos e interesses colectivos e difusos, a representação ao executivo da necessidade essencial, para o Estado de Direito democrático, de investir num MP apetrechado para as novas realidades. Está na hora de abrir o debate sobre a especialização de funções nas áreas de intervenção do MP – Penal, Cível, Laboral, Família e Menores, Administrativa e Fiscal, aproveitando a aptidão e vocação de cada magistrado – e sobre o modelo de gestão do MP que potencie as virtudes da natureza una e hierarquizada desta magistratura.
Para além do mais, o serviço de inspecção, superiormente orientado, pode, e deve, ter um papel determinante na pedagogia dos métodos, na detecção de dificuldades e lacunas de intervenção.

P.6 - Que alterações defendem nos modelos de recrutamento, formação, colocação e avaliação dos magistrados do MP?

R. - Neste campo, existe já uma actividade de investigação relevante que tem produzido estudos que constituem, para nós, uma referência, com especial destaque para os textos do Dr. Rui do Carmo, nos quais, no essencial, nos revemos.
Assim defendemos:
- o alargamento da base de recrutamento – potenciando o acesso a outros profissionais do direito e a outras faixas etárias, de modo a proporcionar o cruzamento de vivências e perspectivas do direito;

uma selecção que atenda ao conhecimento e compreensão sobre temas da actualidade, sobre a conformação constitucional e legal do estatuto das profissões forenses e que avalie os conhecimentos jurídicos na perspectiva da aptidão para decidir sobre o concreto; a regulamentação do objecto, processo e modelo da avaliação psicológica;
uma formação que proporcione o conhecimento das entidades que interagem com o sistema judiciário e da realidade económica, social e cultural, que incentive a avaliação multidisciplinar do facto, o conhecimento e interiorização do estatuto e que inclua a simulação de actos do processo e de despachos; a conjugação de períodos de formação conjunta dos magistrados judiciais e do MP com outros de formação específica;
a aposta na formação permanente que introduza, também, a preparação para a gestão e direcção e para a metodologia do despacho;
a eliminação de cursos especiais de formação de magistrados e recrutamento de agentes do MP não magistrados.

P.7 - Concordam com uma fusão entre conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público?

R. - Não nos parece ser uma questão do momento.
Contudo, a especificidade portuguesa na modelação de uma e outra magistratura parece não ser compatível com um Conselho único.

1 comentário:

Kamikaze (L.P.) disse...

Oh caríssimo, nem eu sou jornalista nem opinei... era só o que me faltava ir fazer uma entrevista à lista A antes de publicar este texto, que o foi a pedido! A lista A tem muitos contactos no Incursões, passando por mim :) e muito mais directos até... é só postar ou solicitar postagem e cá teremos o pluralismo :) !