15 fevereiro 2005

Julgamentos apressados

Eu não sei se Santana Lopes e Paulo Portas, a pretexto da morte da Irmã Lúcia, decidiram suspender a campanha eleitoral por uma questão de aproveitamento político. Não sou suficientemente inteligente para entrar no pensamento dos outros, nem suficientemente estulto para julgar os comportamentos dos outros.
Mas há uma coisa que eu sei: se eu fosse líder político, estou quase certo de que suspenderia a campanha eleitoral. Por uma questão de convicção e não por uma questão de aproveitamento político.
De resto, estou certo que o mesmo aconteceria se, em vez de ter morrido a Irmã Lúcia, tivesse morrido um ícone da democracia portuguesa, fosse da esquerda ou da direita. Não me parece, pois, que estejamos perante uma confusão entre a política e a religião. Estamos no domínio das convicções e dos sentimentos.
Não nos apressemos a fazer julgamentos.

8 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Entrámos no domínio da ingenuidade, caro amigo?

josé disse...

Completamente apoiado, caro Carteiro. Ingenuamente e sem cinismo, portanto.

Primo de Amarante disse...

Caro carteiro: fazer das crenças ou convicções pessoais razões de Estado, só nos regimes teocráticos. Não convém ayatollahre um Estado laico. Essa situação fez banhar de sangue a Europa e continua a banhar de sangue muitos povos. É que essa atitude representa o primeiro passo para o espírito de cruzada. E ele já é notório em algumas questões (como p.ex. a do aborto) da vida nacional. Repare no que diz hoje no "Público" o católico funamentalista prof. Mário Pinto: «(...) Daqui decorre, para todos os que livremente aderem à confissão católica, uma obrigação comum de formação da sua consciência segundo a "doutrina moral e social cristã"». Não deixa hipótese a outros contributos; e, como os imperativos de consciência são muito fortes, necessáriamente levarão áquilo que S.Tomás considerava defesa dos "direitos da verdade", o que rapidamente se transformou nas cruzadas contra o "erro" (porque, segundo essa ética das convicções, o "erro não tem direitos").
A "verdade" deixou de se propor (como refere os evangelhos) para se impôr (como defendeu o espírito de cruzada da Idade Média e hoje defendem os talibans). Como refere Max Weber (In: "o político e o cientista"), quando as "convicções têm um papel excessivamente fatal" descambam para o totalitarismo, o desrepeito pela liberdade e a negação do pluralismo. Talvez seja melhor que as nossas convicções nunca se tranformem em razões de Estado. Aliás, como refere Weber, o que se pede aos políticos é que tenham uma ética da responsabilidade (e não uma ética das convicções). Como sabe, Hitler e outros monstros da história tinham convicções muito fortes que foram transformadas em razões de Estado.E viu-se o resultado!...

Cronista Oficioso da 3R disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Cronista Oficioso da 3R disse...

O comentário do Compadre dispensa quase tudo o que se possa dizer na mesma linha. Mas já agora aproveito para lembrar que a invocação das convicções e sentimentos na esfera pública e enquanto argumento justificador de opções num processo político, retira-os da protecção de reserva das coisas intímas.
Por outro lado, Fátima nunca terá sido do campo estrito da fé, e, mínimo, a publicitação e explicação pela Igreja Católica das «revelações» revela uma ideologia com consequências seculares e até uma leitura que não é, nem tem de ser, neutra da história. Será que os não iniciados são obrigados a ignorá-la?
E mesmo no plano dos factos menores, quem não é iluminado pela convicção sobre «a verdade» de «Fátima», não pode deixar de reflectir sobre informações que vão sendo prestadas por membros da Igreja, eventualmente reveladoras sobre a sua «verdade», como a «revelação» facultada pelo, inequivocamente iniciado, «Reitor» do Santuário sobre os outros «pastorinhos»: Francisco seria mais reflexivo, «intelectual», e Jacinta mais do tipo emocional, «artista».

josé disse...

Caro compadre:
de volta ao meu diletantismo, entro numa vereda difícil e de retorno incerto.Eu sei que não devia discutir religião e vou tentar não o fazer.
Mas o compadre fala em crenças e razão de Estado,como apanágio de ayatollas. No caso do Islão assim parece. No caso da Inquisição também assim foi.
Mas não é essa a história do mundo?
O que é que se discute hoje em dia? Não é a ameaça do Islão sobre o Ocidente cristão, tal como no ano mil?
Que sobra para nos defendermos? Comte? E isso não é também uma crença, nas virtudes do positivismo e do racionalismo?

Marx e Lenin não fundamentaram uma autêntica religião laica, com os seus ícones embalsamados?

Onde, em que sítio da terra, será que a religião não serve para nada, e muito menos para opiar o povo?!

Veja os judeus. Haverá povo mais cioso da sua fé peculiar? Até acreditam que nas palavras escritas do Tora está escondida a Verdade!

Se continuarmos por aqui, neste raciocínio de janela em comentários, não tarda nada, estamos a conlcuir que vivemos e sempre viveremos num mundo em que a loucura aparente é normal.

Para mim, a única solução para isto é a Tolerância para com todos os credos e fés religiosas.
E o Estado só entra porque o Estado representa uma comunidade.
Na China, o Catolicismo representa quase nada, uma simples, gota de água, num oceano de budistas e xintoistas.

Aqui, é o contrário: os católicos são uma boa percentagem da população. E têm tradições, costumes, história.
Acha bem esconder isso debaixo do tapete?
Que diferença faz um dia de luto para quem não acredita? Nada! Rigorosamente nada.
O Estado ao decretar o luto atenddeu ao interesse de uma...maioria. E se fosse uma minoria significativa e suficientemente impositiva faria o mesmo, como foi o caso da Amália. eu não aprecio fado nem a fadista em particualr. Mas aceitei que os que gostavam pudessem enlutar-se oficialmente pela morte dela.
Em nome da tolerãncia, única forma, repito, de conservar a harmonia em sociedade.
Eu disse "Única forma"?!
Veja lá o disparate!

Primo de Amarante disse...

Caro José: estou de acordo com muito do que diz, mas tiro uma conclusão diferente: para não repetir os erros da história é preciso (no meu entender) defender o princípio de "dar a Deus o que é de Deus e a Cèsar o que é de César". Este princípio foi uma conquista dos estados modernos que é preciso salvaguardar. Misturar Deus com César (mesmo que Deus seja maioritária) conduz sempre à intolerância (esta sempre se exerceu para com as minorias)do jacobinismo de todos os quadrantes.
Um abraço.

M.C.R. disse...

meu caro carteiro: desta vez está a entregar uma carta enganada: no Estado laico, a irmã Lúcia não é igual ao bispo do Porto ou ao Padre Américo. A irmã Lúcia foi durante o século que passou uma ausência absoluta, visões á parte. Como V parece usar muitas vezes a ironia, pergunto-me se não se está a divertir com os nossos comentários. A ser assim, ganhou. Mas só se foi assim. Sans rancune MCR