15 fevereiro 2005

Luto porquê ?

O luto decretado pelo falecimento da irmã Lúcia, na aparência um acto banal, diz muito sobre a natureza do chamado Estado de Direito em Portugal. A questão é assim : muitos portugueses acham que a irmã testemunhou um milagre, outros (como eu) que tudo não passou de um embuste grosseiro. Até aqui tudo bem: que cada um acredite ou desacredite no que quiser e o Estado que não se meta. Mas meteu. Na verdade, o luto oficial por alguém terá que se fundamentar na prática de actos relevantes ao serviço da comunidade. No caso da irmã Lúcia, só há dois fundamentos possíveis: testemunhou um milagre e passou a vida fechada num convento. Em qualquer dos casos, o Estado, ao decretar o luto, ou está a declarar a veracidade de um milagre ou então a reconhecer a superioridade (ou santidade) da vida monástica. Volta D. Miguel, tu, que bem te aproveitaste do milagre da Senhora da Rocha, estás mais que perdoado !

6 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Eh Eh Eh

Concordo com o Rebeldino, em absoluto. E acho que o jcp, no post que segue, deu mais um clarividente contributo para a clarificação destas situações.
Quanto ao assento do cardeal Patriarca: mistérios do Estado laico...
aliás, parece-me que tem lugar cativo noutras tantas cerimónias de estado, parece-me, repito.

Kamikaze (L.P.) disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
josé disse...

Caro Rui do Carmo:

O Vaticano também é um Estado. E os Bispos, representantes, de algum modo, do Santo Padre. Até podem ser papas...

E além disso, há uma Concordata de 1940.

E principalmente, porque não um bispo e porque sim a um empresário qualquer do cimento ou do betão?!
Há concordatas entre estes e o Estado?
E finalmente, há um protocolo secular e de costumes.
A verade é que o simples facto de se questionarem estes costumes já significa que a tradição já não é o que era...

josé disse...

Entre esses costumes ainda se podem observar, nas grandes romarias( e até nas pequenas), por ocasião das procissões a passagem de um pálio.
Debaixo dessa cobertura, engalanada e de tecido distinto e às vezes secular, seguem padres e bispos, conforme a importância do evento.
Ao lado e a acompanhar, se for caso disso e é quase semore, seguem também o presidente da Câmara local, o governador Civil, o deputado, o médico, o empreiteiro enriquecido, o comerciante distinto de fazendas, o opus dei local, o cacique, o senhor importante e, tudo misturado, a exposição da vaidade mundana.
Tudo em nome de Algo sagrado que também aí vai. E não é apenas simbólico.

É esta a nossa cultura de séculos.
Vamos acabar com isto, assim sem mais nem menos?

josé disse...

E vamos substituir por quê?
Por um corso tipo do carnaval, mais aprimorado? Com jograis modernos; bufões da actualidade e trapezistas da vidinha?

A Igreja da religião católica, queiram ou não, ainda é na nossa sociedade, uma entidade com relevo importante.
Separada ou não do Estado, continua na sociedade e o Estado não é mais importante do que a Sociedade, porque a representa.
Se além disso, traz atrás de si uma História, com quase um milénio a reboque, não adianta nada varrê-la para o vão da escada ou escondê-la num armário imaginário.
O anticlericalismo primário já não se justifica hoje em dia: Os padres são humildes e têm pouco poder. Os bispos andam a aprender essa realidade. Veja-se o actual bispo de Braga, Jorge Ortiga, um poço de sabedoria centenária.
Merecem respeito, por mim.

É a minha simples opinião.

josé disse...

Caro Rui do Carmo:

Assim, com uma rajada destas, fico...esmagado! :-)

Bem, quanto ao assunto, penso que tergiversei, mas pela boa causa: para contextualizar e enfiar o bispo no lugar que lhe cabe por direito, digamos, consuetudinário!

O que pretendi dizer, foi apenas isto:
A tradição portuguesa, no protocolo do Estado, compreendia o convite às "Altas individualidades civis e religiosas", como coisa pacífica e sem merecer reparos.
Reparo agora que talvez não seja assim, porque até a si, não passou despercebida a presença da Individualidade religiosa numa cerimónia profana como é a abertura do ano judicial e a pergunta que formulou compreende uma perplexidade decorrente de uma situação que lhe parecerá insólita.

Foi por isso que trouxe à colação da discussão a Concordata de 40 - que nesse aspecto, pouco mudou- e para realçar a circunstãncia de os tempos estarem a mudar.
A verdade, parece-me, é que é mesmo assim. Há quarenta anos,entravam para os Seminários centenas de jovens por ano e ordenavam-se como padres algumas dezenas.
E hoje em dia?!

The times they ara a changin´...
Era só essa a mensagem, caro Rui do Carmo.
E quem anda a perder é a Igreja.
Há uns anos, quem é que discutia sequer que o Cardeal tivesse assento numa das filas de cadeiras, nas celebrações rituais do poder judicial?

Por mim, ainda não discuto isso, mas, -quem sabe?- , talvez me convençam do bom fundamento dessas objecções.
Um abraço.