22 fevereiro 2005

Tabardões morais

«Mas a lei não distingue ­responde a hermenêutica jurídica; e eu que podia teimar em ver a lei a pernear abafada na toga dos juízes, mando-os a eles, e mais a hermenêutica, de presente ao diabo, e mais ao brasi­leiro, em cujo corpo está o demónio tentador, que traz energú­menos os julgadores.
A doença da família dos togados é como aquela peste que ataca os mem­bros de uma mesma família, derramados por diversos pontos. São incuráveis estes tabardões morais, como os outros de que reza Frei Luís de Sousa na Vida do Arcebispo. Caem de podres; mas caem a gargalhar, como na morte duma certa erva da Tessália. Basta de erudição, a propósito destes ónagros, que ornejam acórdãos, e se espojam no lameiro, como usam os javalis, encodeando-se de lama para que o venábulo da sátira não ache fibra a descoberto onde lhes crave o tiro. Inclinemos ao assunto a mais simpática tristeza.»

Camilo Castelo Branco, Memórias do Cárcere, 1881 (lembrança de CM)

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