15 fevereiro 2005

Uma reflexão em torno de Locke.

Há mais de três séculos, no Inverno de 1685/86, o filósofo John Locke, então na clandestinidade, terminava um dos documentos que iria marcar decididamente a modernidade: a "Carta sobre a Tolerância".
Tratou-se da primeira reflexão sobre a relação entre a Igreja e o Estado ou, como ele prefere dizer, entre a sociedade religiosa e a sociedade civil.
A reflexão é oportuna num tempo em que a demagogia, a tentativa de manipular crenças e sentimentos genuínos está na ordem do dia.
Sobre o papel do Estado, Locke é claro: a religião não pode ser a ideologia de um Estado. É o bem-comum (e não a salvação da alma) que justifica a organização política do Estado. Partindo da ideia de direito natural à liberdade, à propriedade e à igualdade, defende que a organização política do Estado legitima-se pelo acordo que resulta dum entendimento entre os cidadãos. Mas a vontade geral maioritária, que institui o contrato, não faz a transmissão dos poderes de cada indivíduo para o soberano: apenas os delega. Locke funda, assim, a ideia de um Estado democrático e laico. O poder do governo civil deve restringir-se aos interesses civis e nenhuma autoridade tem sobre o espaço privado das crenças individuais.
Sobre o papel da Igreja refere que o caminho das crenças pertence ao foro privado e, por isso, o Estado não se deveria envolver nos sentimentos religiosos. Considera perverso para a Igreja e para a política promover a confusão entre o plano religioso e o plano civil. E vê nessa confusão a causa de muita intolerância.
A "Carta sobre a Tolerância" (que harmonizou a tolerância com a afirmação dos direitos naturais do homem e o papel do Estado) bem como os "Pensamentos sobre a Educação" (obra quase desconhecida) constituem documentos fundamentais numa educação para a cidadania.

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