11 março 2005

Brecht, Valéry, Juarroz, Henri

Vivem no mesmo bairro. Chamam-se Senhor Brecht, Senhor Valéry, Senhor Juarroz e Senhor Henri.

O Senhor Brecht é um contador de histórias, como esta:
Avaria
"Por um curto-circuito eléctrico incompreensível o electrocutado foi o funcionário que baixou a alavanca e não o criminoso que se encontrava sentado na cadeira.
Como não se conseguiu resolver a avaria, nas vezes seguintes o funcionário do governo sentava-se na cadeira eléctrica e era o criminoso que ficava encarregue de baixar a alavanca mortal".

O Senhor Valéry “era pequenino, mas dava muitos saltos”.
“Ele explicava:
- Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo”.
E tinha “o problema dos negócios”. É que:
“O senhor Valéry tinha como profissão, em dias alternados, vender e comprar.
- Vendo o que comprei no dia anterior – explicava o senhor Valéry – e no dia seguinte compro algo com o dinheiro que fiz da venda do dis anterior. E assim se vai sobrevivendo – concluía.
E o senhor Valéry explicava:
- Existe a parte de cima e a parte de baixo e uma alimenta a outra.
(…)
- E é porque uma parte alimenta a outra que a circunferência rola – acrescentou ainda o senhor Valéry (…).
- Enquanto um dia se seguir ao outro, tudo bem. O problema deste negócio – sussurrava o senhor Valéry, como que a querer que ninguém o escutasse – o problema é se eu morro. Esse é o problema.”

O Senhor Juarroz tinha as suas teorias, como a d’”A chávena e a mão”.
“O senhor Juarroz hesitava em pegar na sua chávena de café porque não conseguia deixar de pensar que não são as mãos que pegam nos objectos, mas sim os objectos que pegam nas mãos. E tal repugnava-o, pois não aceitava que uma simples chávena lhe agarrasse a mão (como noivo impetuoso agarra nos dedos tímidos da noiva).
Por isso o senhor Juarroz em vez de agarrar na chávena ficava longos minutos a olhar para ela, de modo agressivo.
Mais tarde queixava-se do café frio.”

O Senhor Henri era um adorador do absinto; e porque achava que “se um homem misturar absinto com a realidade fica com uma realidade melhor”, mas se “misturar absinto com a realidade fica com um absinto pior”, dizia: “nunca misturei absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto”.
Mas também tinha a sua “teoria”:
“O senhor Henri disse. O telefone foi inventado para as pessoas poderem falar afastadas umas das outras.
… o telefone foi inventado para afastar as pessoas umas das outras.
… é exactamente como o avião.
… o avião foi inventado para as pessoas viverem afastadas umas das outras.
… se não existissem aviões nem telefones as pessoas viviam juntas.
… isto é uma teoria, mas pensem bem na teoria.
… o que é preciso é pensar no momento em que ninguém espera.
… é assim que os surpreendemos”.

Gonçalo M. Tavares é o autor destes surpreendentes quatro livros, editados pela Caminho. Três horas de acutilante boa disposição.

1 comentário:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Obrigado pela recomendação. A amostra é prometedora!