02 março 2005

Participação aos interessados

Um sacerdote católico, Nuno Serras Pereira, faz publicar hoje uma “participação aos interessados” (ver jornal “Público”, pág.16) verdadeiramente inacreditável, sob a forma de publicidade paga.
Anuncia o sacerdote nesse documento que “em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código do Direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão católica a todos aqueles católicos que manifestamente têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes”, perorando em seguida contra os métodos contraceptivos, a fecundação extra-corpórea, a investigação em células estaminais, a legalização do aborto e o cumprimento da actual lei 6/84. Termina referindo que “da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convida todos ao arrependimento e à retractação pública…”.
Algumas perguntas depois de uns momentos de estupefacção: Quem paga esta publicidade e quem suporta esta posição individual do sacerdote? Como reage a hierarquia sensata da Igreja Católica a esta manifestação pública? Como reagem os católicos moderados que não se revêem em teses fundamentalistas como esta? Esta tomada de posição não é mais incendiária do que as dos movimentos "pró-aborto", tão criticados pela Igreja?

2 comentários:

Mocho Atento disse...

O cân.1398 estabelece que incorre em excomunhão "latae sententiae" quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito.O delito previsto é o de aborto consumado, isto é, sempre que se realiza uma acção dirigida directamente a matar um feto vivo - desde o momento da concepção - quer no seio materno, quer fora dele, e se consegue o seu efeito. A pena de excomunhão é de aplicação automática.
Na mesma pena apenas incorrem aqueles que, sem o seu concurso, o delito não teria ser perpetrado, conforme decorre do cân. 1329 do Código de Direito Canónico.
Nos demais casos, podem ser sujeitos a penas "ferendae sententiae", isto é, têm de ser aplicadas por acto administrativo ou sentença judicial canónica (cân. 314).
Trata-se de penas medicinais ou censuras que cessam com a deposição de contumácia.
O delito de opinião não está consagrado em sede de aborto.
Não estão sujeitos a pena os menores de 16 anos; os que sofrem de ignorância (inadvertência ou erro) sobre a lei ou preceito, entre outras causas previstas no cân. 1323.
E somente pode ser aplicada sanção quando for verificado que nem a correcção fraterna, nem outros meios de solicitude pastoral são suficientes para reparar o escândalo, restabelecer a justiça e emendar o réu (cân. 1341)
Não se pode aplicar validamente uma censura sem que antes o réu tenha sido admoestado, ao menos uma vez, para que deponha a contumácia, dando-lhe-se tempo suficiente para se emendar (c. 1347).
O Cân. 915 estipula que não se admite à Comunhão os excomungados e interditos, depois da aplicação e declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto. Este cân. não se aplica em caso de perigo de morte.

Primo de Amarante disse...

Para alguns, a Igreja deve deixar o dircurso edificante, próprio de uma doutrina da tolerância e do amor (não julgues para não seres julgado) e passar ao dircurso de fiscal das consciências ou de carcereiro.È interessante reflectir sobre o que foi o direito canónico na Idade Média. Quem não se lembra dos códigos das "pendenças" que, perante os mesmos crimes, tinham penas mais pesadas para os padres e mais leves para os bispos, mais pesadas para os servos e mais leves para os senhores. O direito canónico nada diz sobre as injustiças sociais, sobre os filhos da rua que vão cair nas prisões ou, como em alguns paises, são mortos por esquadrões de justiceiros. O direito canónico nada diz sobre a exploração, a fome e a miséria, mas para tudo isso há uma palavra no Sermão da Montanha. A hipocrisia do espírito legalista sempre assim foi! A quem meterá medo a excomunhão?!... Nem ao Padre Felicidade Alves meteu mêdo, quanto aos leigos! Essa ameaça é mais um tique de um padre que, com um radicalismo fanático, quer chamar os focos da ribalta para si mesmo. Poderia resolver o assunto de outra forma, como, por exemplo,Freud e Reich aconselharam! O mundo, entretanto, avança e o direito canónico também, como já vem acontecendo desde o passado.