12 março 2005

"Sartre e depois"

"Sartre e depois" é um execelente artigo de Augusto Santos Silva, hoje, no "Público" (já consigo linkar).
A melhor forma de comemorar o centenário de um filósofo é ler a sua obra. Transcrevemos um pequeno texto que julgamos ser significativo daquilo que podemos designar por "condição do intelectual" a que, no fundo, se refere Santos Silva, nesse artigo de despedida de articulista.

"Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.(...)Escolher ser isto ou aquilo, é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos. Se a existência, por outro lado precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. (...)Se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. (...) O homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer."

Jean Paul-Sartre, O existencialismo é um humanismo, Editorial Presença, Lisboa.

5 comentários:

M.C.R. disse...

Compadre Esteves. Permita que lhe agradeça o seu post por razões bem mais sentimentais do que qualquer outra ordem. De facto em 75, se não estou em erro, Sartre visitou Portugal e o Porto. Por sugestão do Arnaldo Fleming, convidaram-me para ser guia dele e do Pierre Victor, na época seu secretário. Durante dois dias levei-os a fábricas, sindicatos, cooperativas e comissões de moradores. Fui modestamente, o taxista (era o meu carro) e o intérprete de um velho senhor que queria saber tudo e bebia uma impressionante quantidade de cervejas. No primeiro dia almoçámos no Solar da Conga com com o Eduardo Lourenço que eu aliás não conhecia. Confesso que fiquei muito impressionado... Sartre - se é que dois dias dão para falar de uma pessoa, com este á vontade - era muito curioso e ainda mais desconfiado. Numa visita a uma fábrica textil ocupada, uma operária disse que os lucros do dia se distribuíam pela "comunidade". Foi um sarilho convencê-lo de que ela dissera exactamente isso e que não era o tradutor que melhorava a entrevista.
Hoje em dia, ainda me é dificil fazer a distinção entre o homem idoso, fraterno, amável e curioso e o intelectual. Acho todavia que talvez seja altura para falar mais do Sartre escritor (Les Mots, absolutamente fabuloso) do dramaturgo de grande qualidade e do comentador literário. Não conheço "L'Etre et le Neant" e li sobretudo os textos mais políticos. Com o tempo fui mudando de opinião: cada vez gosto mais do "orphé noir" e menos do "portrait du colonisé". "Le socialisme qui vient du froid" é extraordinário mas "les communistes ont peur de la revolution" é um mero texto de circunstância. E por aí fora sem esquecer os textos sobre Baudelaire e Flaubert, simplesmente geniais.
Foi gaças a Sartre, que li mais atentamente Camus, Nizan, Raymond Aron e Merleau Ponty, ou seja que li os que ele, com demasiada rapidez, ia condenando. Até isso lhe devo, que diabo! Obrigado pelo seu texto: subitamente senti-me mais novo quase trinta anos e fui outra vez ler "les mains sales", comovidamente. Outra vez obrigado.
mcr

Primo de Amarante disse...

Caro M.C.R. eu é que lhe agradeço o seu comentário. Como se lembra a faculdade de Letras estava a abarrotar. Cheguei tarde e só me apetecia chorar, porque não conseguia ouvir nada. Nessa altura, andava próximo do trotskismo e, como sabe, por essa altura Sartre já era um critico do comunismo.
Os jornais falaram do que reproduziu.
Você teve um privilégio enorme. E se me permite um conselho reproduza tudo isso num texto. Foram momentos inesquecíveis e precsamos da memória desse testemunho. Os nossos filhos não percebem o que foi uma enorme paixão pela revolução e quando admiravamos os intelectuais revolucionários.
Lembra-se dos "roubos" de livros para serem lidos de sofriguidão???!!!
Um abraço.

Primo de Amarante disse...

Lembra-se de uma revista dirigida pelo nosso saudoso amigo Fleming, antes de se ter refugiado em França?!... Isto antes do 25 de Abril. Eu ainda tenho algures alguns exemplares. Era a voz do Maio de 68 no Porto.

M.C.R. disse...

Indo por partes.
1 Eu também acho que fui um privilegiado. De resto a sorte tem-me acompanhado nessas coisas. Conheci mais gente (e melhor) do que, eventualmente mereceria. Falo do Craveirinha da Noémia de Sousa, do Joaquim Namorado, do Orlando de Carvalho, do Paulo Quintela ou do Manel da Fonseca.
2 Já escrevi sobre o meu encontro com Sartre (e até recebi uns dinheirinhos duma televisão francesa a propósito disso. Portanto: non bis in idem). Pior foi quando, pouco depois da morte de JPS, contactei um grupo promotor de uma homenagem lá nas Franças e Araganças e burramente lhes enviei as duas cartas que ele me escreveu a agradecer os meus serviços de guia turistico-político. Nem resposta me deram. Ah estes correios internacionais...
3 Eu pecador me confesso: nunca (NUNCA!!!) fanei um livro, sequer um jornal ou uma revista. Punhamos que o medo de ser caçado foi sempre maior que a ânsia de ler. Resultado: os 15.000 volumes da minha biblioteca são o mais aparatoso sinal da minha falência económica. E o pior é que não resisto a continuar
4 A revista do Flemming seria uma coisa chamada Espaço (um único número saído)? Se era e se tiver uma sobra tem aqui uma mão estendida e pedinte, Aliás para o segundo número dessa revista fui convidado a colaborar: escrevi um texto definitivo e pejado de números sobre a Indonésia, coisa gorda, grande e petulante: claro que a revista entretanto falira e eu, mais uma vez, fiquei inédito.
5 Uma coisa que não tem nada a ver com isto: o novo Secretário de Estado da Cultura é um tipo fora de série. Assim tenha sorte, que qualidades não lhe faltam.
mcr

Primo de Amarante disse...

Suponho que tinha esse nome e a capa era vermelha ou alaranjada. Eu tinha vários exemplares. Dei um ao Fleming pouco tempo antes de ele partir. Se entre as muitas centenas de livros e documentos vários (muitos já entregues à A25A) encontrar um a mais dou-lhe conta e envio-lho.
Também nunca fanei livros, mas também não foi por virtude. Havia um amigo, agora muito conhecido nas lides do cinema que utilizava uma velha biblia, cavada por dentro, onde metia os livros que "expropriava" nalgumas livrarias. Era uma técnica que me seduzia, mas nem esta utilizei.Este amigo, foi fornecedor de muitos livros que, depois de os ler, os ofertava.