13 março 2005

Venda livre de medicamentos de venda livre: a bem da nação

Parece que, em breve, os atulhados carrinhos que as famílias portuguesas (estatísticamente constituídas, soube hoje, por 3 pessoas e meia) colectivamente empurram, orgulhosas, ao fim de semana nos hipermercados, vão passar a ostentar também a aspirina, o colírio, a pomada para as dores muscalares e toda uma interminável panóplia de medicamentos de venda livre (leia-se, que podem ser vendidos sem receita médica).

Diz o nosso primeiro, absolutamente maioritário, que a bem do consumidor - e a gente, até prova em contrário, acredita (pois não fora ele e as facturas detalhadas da PT, o controle das malandrices das seguradoras e certamente muito mais que já não me lembro, ainda seriam hoje uma miragem).
Então é assim: por um lado, a concorrência fará baixar os preços (será que também vai haver promoções? e estarão, ao menos uma vez por outra, incluídos nos "produtos de folheto"? e não dará mesmo esta inovação lugar à criação de mais postos de trabalho - especialistas em marketing e exposição de medicamentos, p. ex.?);
por outro lado, quem quer que ainda teime em viver naquelas inóspitas regiões da interioridade, onde a farmácia mais próxima fica, no mínimo, a umas dezenas de quilómetros, passará a encontrar, ao virar da porta, os adequados paliativos para uma aziazita mais inesperada e traiçoeira.
Bizarro, pensei. Que interior é esse onde não há farmácias por perto, mas há hipermercados?! Bem sei que do país real nada sei, a tal ponto que me passou pela cabeça, num momento de desvario, que não faltará muito para vermos justificada a abertura de mais um hiper, nalguma região mais desfavorecida, com a necessidade de levar os medicamentos para mais perto das populações (deve ser, aliás, nessa antevisão, que o presidente da Câmara de Viana do Castelo pondera seriamente dotá-la de 4 hipers - mais 2 para além dos 2 já existentes).

Desculpem esta tergiversação. O que eu queria realmente saber era a vossa opinião, avisados leitores, sobre outra ideia tresloucada que me passou pela cabeça (não por acaso tenho andado arredia das lides bloguistas):
- é sabido, de todos quantos já pretenderam obter uma simples factura de compras num hipermercado, que depois de penar na bicha de pagamento, há que penar numa outra bicha de um balcão distante e multifunções - o que em regra dissuade de obter a factura todos quantos não necessitem dela por razões de sobrevivência;
- é de prever, assim, que dos medicamentos vendidos em hipermercados poucos serão os levados à conta de despesas a abater em sede de IRS (als. a) e b) do nº 1 do art. 82º do CIRS) ;
Indo aos finalmentes: não terá a medida ora anunciada por Sócrates e já contestada pela ANF (todos sempre a bem da nação), um mui mais nobre objectivo que os publicamente já anunciados e acima referidos, a saber, o aumento das receitas fiscais e, consequentemente, a diminuição do défice orçamental, sem necessidade de subir os impostos?
Mas se é assim, porque é que não nos contaram? Só poderíamos aplaudir, né?

5 comentários:

Primo de Amarante disse...

Um certo sábado pedi à minha filha para ir à farmácia e comprar-me uma caixa de aspirinas. Depois de muitas voltas, encontrou a Farmácia onde entrou e esperou na fila. Ao regressar ao carro, este já estava bloqueado. A multa mais as aspirinas ficou-me por trinta e tal euros.Mesmo ao lado de minha casa há dois supermercados que estão abertos ao sábado e domingo de manhã.
Este exemplo não faz regra. Suponho, no entanto, que as farmácias têm um monopólio exagerado de todos os medicamentos. E a venda em supermecados desses medicamentos já é prática corrente em muitos países. Medidos os convenientes e os inconvenientes, penso que a medida vai beneficiar a generadidade das pessoas. È mais difícil descobrir uma farmácia do que um suppermercado e o tempo que se perde á procura de uma farmácia acrescenta à aspirina um valor que a torna muito "cara" e não vejo que o abatimento na declaração de impostos compense.

M.C.R. disse...

Caríssima Kamikaze:
Suponho que ao falar de farmácias, V. se terá referido a uns estabelecimentos, onde se vendem centenas de produtos de beleza e ocasionalmente medicamentos, prontos e embalados. Digo isto porque, hoje em dia, já não há médico que receite manipulados nem farmácia que tenha a pachorra de os preparar.
Se é desses estabelecimentos que me fala não vejo razão para continuarem a ter o monopólio de uma inocente aspirina tanto mais que, ao que se saiba, o supermercado não se zanga por elas venderem loções para tirar os pés de galinha junto dos olhos.
Dou-lhe toda a razão quanto às facturas muito embora também a possa informar que a factura, se calhar, não é aceite pela gente dos impostos.
Já agora, e parafraseando o imortal e divino marquês, não seria sensato pedir a Sócrates que, sempre nessa direcção, e para salvação da res publica, acabasse de vez com os entraves à livre abertura de farmácias (desde que houvesse um farmaceutico como responsável)? É penoso ir por um laxante e ser atendido por uma licenciada em farmácia: além do mais tira o emprego a quem terá menos estudos.
Punhamos a coisa assim: a medida de Sócrates desagradou ao lobby dos farmaceuticos, o que já não é despiciendo. Assim ele continue a tentar descomplicar este nosso desolado país. Enquanto for assim, cá estou para o aplaudir. Sei bem que há medidas mais importantes, mas esta pelo menos é exemplar e não só não prejudica, como até alivia.
Eu, do que me arreceio, é das grandes reformas, chias de nove horas, de comissões e de comissários. Quando damos por ela a montanha pariu um rato, e ás vezes vem já nado-morto.
mcr

Kamikaze (L.P.) disse...

Caros Compadre e MCR:
Não duvido que vender aspirinas no supermercado não trará mal ao mundo, muito pelo contrário. Isso é normal em muitos países.
Mas se há coisa em que os farmacêuticos ainda têm uma mais valia em relação aos (demais)empregados de comércio, é no aconselhamento e advertências que, normalmente fazem quanto à escolha e uso de certos medicamentos de venda livre. Claro que o facto de eles passarem a ser vendidos no super não acarreta que deixem de ser vendiodos na farmácia e que, quem quiser conselho, aí se dirija para o obter do farmacêutico.

Mas serão todos os medicamentos de "venda livre" tão inócuos como a aspirina? (procurei a lista na net mas não encontrei). E não será a sua venda no supermercado efectivamente potenciadora de um disparo no consumo? As estatísticas já rezam que Portugal é adicto ao consumo de medicamentos... Não terá aqui a ANF alguma razão?

Em suma, acho que há vantagens e incovenientes nesta medida ora anunciada e tentei que o meu post reflectisse esse meu pensamento.
Admito que, no balanço entre vantagens e incovenientes, aquelas ganhem claramente. Pese embora o mau jeito que vai dar obter as facturas. Que são efectivamente relevantes no IRS, desde que os medicamentos (de venda livre)sejam taxados a 5% de IVA, o que acontece com grande número deles.

Já quanto a acabar com os entraves à abertura de farmácias, totalmente de acordo, MCR. E olhe, também nesse aspecto sou uma priveligiada: só à volta da minha casa conto com 4, a menos de 5 minutos a pé cada uma. E esta, hem?

M.C.R. disse...

acho que vale a pena ler o texto que hoje, 15 de Março, o Vital Moreira publica no "Público".

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Concordo em absoluto com a medida anunciada por José Sócrates. Não vejo nenhuma razão para que os medicamentos de venda livre não possam ser vendidos em parafarmácias ou outras superfícies comerciais. Assim como não entendo as limitações e os condiconalismos existentes para abrir ou ser proprietário de uma farmácia. São prerrogativas que apenas interessam aos farmacêuticos instalados e que prejudicam os farmacêuticos em início de carreira e a comunidade em geral.
Sócrates deu um sinal, no seu discurso, de que até os lobbies mais poderosos vão ter que se haver com ele. Assim seja.