21 abril 2005

Assalto


O grupo cola-se à parede, numa fila compacta junto à porta.
O primeiro, com o aríete na mão, mede a porta sua inimiga, tentando adivinhar o local onde a vai impactar de forma a fazê-la voar das dobradiças e assim dar acesso à sua equipa (tudo isto acompanhado de insultos mentais às suas chefias que acham que o uso de explosivos para abertura de acessos é uma coisa só para os militares... enfim, ignorantes!).
O resto do grupo vai apertando as suas armas nas mãos, nervosamente, procurando acalmar o coração que já vai batendo a mais de 140.
Parece que a quase hora e meia de infiltração discreta pelo interior do bairro manhoso estava a dar resultado e ainda ninguém tinha dado o alarme!
O chefe da operação, dentro da carrinha de apoio, consulta o relógio: 07.00, está na hora! Porcaria de lei que nos faz estar agarrados a uma hora fixa para se poder começar uma busca! É mesmo coisa de totós que nunca saíram de um gabinete... se eles um dia viessem à rua ver o que é a realidade!
- Tudo pronto? Vamos a isto – diz para o condutor, ao mesmo tempo que pergunta ao rádio “- Estão prontos? VAI! VAI! VAI! VAI!” – Arranca, arranca!!!
07:00 horas... o chefe do grupo dá um apertão no ombro do seguinte... o apertão vai seguindo de ombro em ombro até ao primeiro que de imediato começa a dar balanço ao aríete...
BLAMMMMMMM... o aríete esmaga-se contra a fechadura da porta, fazendo voar chispas e estilhaços. Todo o grupo se precipita para a frente... “- M....! F...!! NÃO ABRIU!!! NÃO ABRIU!!!!”
O primeiro puxa novamente o aríete atrás. BLAMMMMMMM... “- NÃO ABRIU! NÃO ABRIU!!”...
O segundo atira com a caçadeira para as mãos do terceiro e precipita-se para ajudar o primeiro com o aríete. BLAMMMMMMM... “- ACESSO! ACESSO!!”
07:00.50 horas. Cinco segundos, uma eternidade... O aríete é atirado para o lado e a equipa inunda a casa com as armas em riste, voando sobre a porta despedaçada.
O primeiro entra na casa desconhecida. Ninguém à vista.“- LIMPO!” e precipita-se para a primeira porta.“- FECHADO!” Um violento pontapé e a porta voa com a fechadura partida “- ACESSO!” E voa para o interior do compartimento... vazio. “- LIMPO!”
Atrás de si ouvem-se detonações. Prepara-se para sair do compartimento acanhado, com o seu companheiro a estorvar-lhe o caminho. “- Parvo... devias era estar em casa a trocar as fraldas – pensa”. Mais detonações. Sai. Um colega caído no chão a sangrar. Precipita-se sobre o compartimento seguinte.
Uma explosão de luz. Silêncio. Nada.
Aos poucos começa a ouvir vozes. Em fundo uma gritaria, uma algaraviada meio incompreensível. Sente a cara pegajosa.
- Então pá? – pergunta-lhe o chefe, qual é a graça de andares por aí às cabeçadas nas portas? Tens aí um lanho para uma meia-dúzia de pontos, pelo menos, mas não penses que te livras das transcrições das escutas, o que é teu, é teu…!
“- Filho-da-P...! – pensa – Então este animal é que proíbe uma pessoa de meter uma porcaria de capacete de skate na tola porque dá mau aspecto e agora que a tenho partida ainda goza?”
O colega ferido já está a ser tratado na ambulância do INEM. Um projéctil furou o colete balístico. Sim, porque como dizia o velho do depósito de material “- Um luxo! Isto é do melhor que podem ter! Não é por ser de Level II que protege menos! Já agora também querem uma armadura em aço? Vocês têm o melhor!!”

É ficção... uma mera ficção baseada em algumas largas dezenas, quiçá algumas centenas de buscas efectuadas em bairros fora dos circuitos turísticos do nosso país, pelos mais diversos motivos - droga, armas, homicídio, prostituição... uma lista que abrange o CP quase de uma ponta à outra.
Algumas dessas buscas foram acompanhadas por Magistrados - coisas pontuais, mas que aconteceram.
E que, se algumas vezes deram mau resultado por falhas de entendimento de lado a lado, outras também, talvez uma vasta maioria delas, foram bastante proveitosas, possibilitando a realização de todos os actos necessários dentro da legalidade, ao invés de se andar a pisar o risco e depois resolver as asneiras em secretaria, com o objectivo de preservar essa mesma legalidade.
Sim, poderá ser algo diferente... algo a que não estamos ainda habituados, ver os Magistrados a acompanhar os Polícias na prossecução da Justiça, qualquer que seja a desculpa para que tal possa acontecer - demagogias eleitorais, ideias peregrinas ou mesmo, espanto dos espantos, a cópia de sistemas utilizados noutros locais, outros países...
Certo é que muitos profissionais de Polícia de vez em quando comentam que em vez de uma chefia que só serve mesmo para dar despachos “Ao MP” ou “À secção, investigue-se” ou pouco mais e, cujas competências in fine acabam por não ser muito mais do que isso, se tivessem Magistrados, as possibilidades de trabalho seriam outras.
Eu por mim perfilho esta ideia - não o levar um Magistrado “emprestado” para uma operação qualquer, mas sim ter os Magistrados a trabalhar em conjunto com as Polícias.
Ficar a parte policial e operacional da investigação intimamente ligada à verdadeira investigação criminal como parecia que se queria fazer com o DCIAP... ou pelo menos como algumas Policias pensavam que iria acontecer.
No final, as questões que se levantam são pequenas e todas elas muito simples:
Será que a Magistratura está preparada para sair para a rua sem ser um peso morto para a Polícia?
Será que as Policias estão preparadas para serem acompanhadas pela Magistratura?
Será que as Magistraturas e as Polícias vão finalmente descer dos seus belos pedestais onde se cristalizaram há uma eternidade, conspurcadas pelos “pombos” da nossa sociedade e que, finalmente, se vão aliar para trabalharem dentro das suas competências mas lado a lado para o bem comum?

Saci (leitor e ocasional comentador do Incursões)

Sem comentários: