16 abril 2005

Au Bonheur des Dames 2º suplemento especial

“Au Bonheur des Danmes
2º suplemento especial
datado de 17 de Abril


"J'ai quelque chose a dire mais je ne sais pas quoi"


Os que alguma vez se perguntaram: "quantos caminhos terá um homem de percorrer antes que o considerem um homem?";

Os que embarcaram nas frágeis jangadas da esperança, nos anos de brasa, porque, diziam, "os tempos estão a mudar" e metiam-se "estrada fora", " filhos da madrugada", "esperando pelo sol" e pelo verão que "é a altura ideal para combater nas ruas". E "a poesia está(va) na rua!";

Os que, iluminados pela verdade do alcool, cantavam à porta do Hotel des Trois Faisants "les bourgeois plus ça devient vieux plus ça devient bête";

Os que, de Hue e Havana, com passagem por Argel, perderam todas as guerras no exacto momento do desfile da vitória; e os outros, os de Praga, Pekin, Santiago ou Berlin de que ninguém fala, execedentários na vida e no plano quinquenal e "abriam (muito) os olhos de chumbo perante aquela vida";

E os que, de Atenas, México, Lisboa (e de Coimbra com capas e flores), descobriram que "ser realista é exigir o impossivel" e, vencidos, ganharam porque sabiam que "sob a calçada está(va) a praia";

E os outros, de ausência tão presente, mortos de morte matada, mortos por tudo e por nada, fugidos à vida sob o rail do metro, a bala na têmpora direita, ou "um mero tiro na boca, mas de alcance maior...?" Onde estão?

Onde estão os sobreviventes, os teimosos sobreviventes, os que ainda hoje podem dizer, enquanto ensinam o filho a andar, "como um pássaro num fio pousado, como um bêbedo num coro nocturno, tentei, à minha maneira, ser livre."?

Acreditemos que "agora a vinha está vindimada" e que "chega a noite" protectora e se vêem as fogueiras de Maio, pouco a pouco, docemente, se aproximarão e se encontrarão para descansar e falar e beber um copo com os amigos, que amanhã recomeça a jornada e "vagabundos como nós nasceram para correr".

Para os dois Zés, cúmplices, sobre citações de Alexandre O'Neil, das barricadas de 68 em Paris, de Leonard Cohen, de Zeca Afonso, de Bob Dylan, dos Beatles, dos Doors, dos Rolling Stones, de Jacques Brel, de Bruce Springsteen e de Ana Identici: "Corram camaradas o velho mundo vem atrás de nós".
E para os camaradas, companheiros e amigos que em 17 de Abril de 1969, descobriram maravilhados que estavam vivos.


Nota: este texto data de finais dos anos 70 ou inícios de 80 do século passado e destinava-se a uma convocatória para a 1ª reunião dos veteranos da greve académica de 1969. Está datado, é ingénuo e tudo o mais. Absurdamente continuo a senti-lo e não me envergonho de o ter escrito. Coisas de velho tonto e petulante... Ah, esquecia-me de dizer que aqui no blogue tem pelo menos três destinatários certos: LC, Anto e Simas Santos.

4 comentários:

josé disse...

Mas que belíssimo manifesto! Sempre que leio estas coisas, penso sempre que não sou de direit(o)a! Mas, -hélas!-, o que me apela ao sentimento não me turva a razão- e volto aos não alinhados.
Os slogans de 68 e dos 70, na música pop e nas ruas anarquistas, foram o sal para o ar do tempo. Fazia bem ao espírito, ler "sous les pavés, la plage!" Ah! Mesmo sabendo que isto significava nada, sabia bem ler.
O Dylan de 64 que cantava ao vento para lhe responder retoricamente, influenciou, sem qualquer dúvida, o vento desse tempo. Mas, em Portugal,nessa altura, os xailes negros e os tamancos ainda eram a moda das aldeias. E o rádio não passava Dylan, mas o Nelson Ned.

Em 69, porém, já havia o Em Órbita e os jornais já falavam de quase tudo. FOi por isso que em Coimbra foi possível fazer frente ao Saraiva.
Não sou dessa geração e nisso, falo de cor.

Mas o espírito desse tempo, marcou muita gente que nunca se libertou dos mitos e lêndias que então se lhes agarraram.
Note-se que eu gosto desses mitos e dessas lêndias...mas não os posso levar muito a sério. Só fica, por isso, o romantismo do sentimento; da generosidade da dádiva aos outros, para tornar melhor aquilo que nos cerca. Mas a minha divergêndia começou, muito cedo, logo aí: o Lennon dizia: "You say you want a revolution?! Well you know, we all want to change the world! " Exactamente! Querer mudar o mundo era o programa de 68! E de 69, também, por cá, em Coimbra e não só.

O que resta dessa vontade de mudança?!

O Dylan de 68, em 2004, veio a VIlar de Mouros e antes, já tinha ido ter com o Papa, numa atitude de respeito e atenção.
Mick Jagger, leio nos jornais de hoje, não quer que a filha de 21 anos pose nua para a Playboy( e eu faria o mesmo)!
Bruce Springsteen, o que gritava que "tramps like us, baby, we are born to run", em 75, agora é dos músicos pop mais ricos da América e apoiou a eleição de Kerry, activamente.
O judeu Cohen, continua, já nos setenta, à procura da terra prometida, depois de cantar que "true love leaves no traces" e outras coisas melosas e melopeiosas.
E que dizer do Cohn Bendit, o dos "sous les pavés"?! Está no Parlamento Europeu! Depois de se saber que confessou uma sua embrionária inclinação pedófila...

Quem se salva desta degradação?!

Dylan?! Jagger?! Cohen?! Bendit?!
A minha posição é a dos iconoclastas, neste caso dos Stranglers: "No more heroes"!
Ou então, outra citação, de Neil Young: "rust never sleeps".

A ferrugem( do espírito) nunca dorme! E contra a ferrugem, blogar!

M.C.R. disse...

Meu Caro José
Você é deveras estimulante. Gostaria de lhe dizer que esquerda e direita, assim, a secas, significam tudo e nada ao esmo tempo. Um gulag não é de esquerda e um lager (dachau p.ex.) não é de direita. As ideias, os ideais são coisas demasiado ténues e delicadas para não serem destruidos por desvios e canalhices. Punhamos entretanto que a direita acredita em valores eternos e que a esquerda só acredita em valores relativos sujeitos ao duplo escrutínio da liberdade e da procura da igualdade.
Aqui chegados, havemos de convir que ambas as posturas são dignas se defendidas com as atrmas da razão e jamais com a razão das armas. Reconhecer o outro (coisa que os conservadores admiravelmente plasmaram na Constituição Americana) é também um valor de esquerda. Sonhar-se livre e defender essa mesma condição para os restantes (sem todavia os obrigar manu militari a serem livres...)é um valor de esquerda que, além disso crê que isso conduz à igualdade de oportunidades. As infalibilidades seja,m do camarada Stalin, sejam de uma qualquer outra instância social, político ou religiosa ofendem-me se me obrigam a aceitá-las.
agora passemos ao resto: o rádio também passava o Dylan, pelo menos enquanto não era percebido como subversivo. 69 coimbrão tem muitos pais e mães: a guerra, a aspiração a ser livre, a prepotência professoral, os exemplos lá de fora, a nossa juventude e a nossa ingenuidade, o anquilosamento do estado novo, a incapacidade da direita, praticamente inexistente desde o fim dos camisas azuis e a ditadura nacional...
Eu não sei se tínhamos assim tantos mitos (alguns teríamos claro) porque o que não tínhamos era a possibilidade de os confrontar com a realdade social e política.
alguns ficaram por aí, outros nem isso e outros ainda lá foram penosamente fazendo a aprendizagem da democracia e da liberdade e da tolerância.
Pessoalmente, mais do que mudar o mundo eu queria mudar a vida. Não sei se consegui, porque nunca se é bom julgador em causa própria. Todavia foram tempos bons aqueles, diverti-me como um cabinda, malhei com os ossos na cadeia por algumas vezes, não falei á polícia e aqui estou, trinta anos mais velho e vinte quilos mais. é esta última parte que me incomoda.
Muito obrigado pela(s) sua(s) contínua(s) reflexão/ões). A gente tem mesmo de se encontrar um dia destes.
Francisco: o fascismo existiu, claro. O puro e duro, o assim assim e o mole. E as restantes modalidades: o envergonhadinho, o sacanote, o malsão e tudo o resto. V. explica ao seu filho e eu, na medida do possível, não faço outra coisa quando ponho um post deste género.
e ele há dias em que me sinto still crazy. sobretudo ainda não vconsegui deixar de me comover e de me indignar. Também rio muito e choro ainda mais.

Kamikaze (L.P.) disse...

Poucas palavras para dizer tanto, FBC! Deixemo-nos de tretas: naqueles tempos houve os que se incomodaram e os que acomodaram. Hoje os acomodados incluirão alguns daqueles - and so what? Nem tudo ficou na mesma, caramba! Quem não deu por nada, que leia as crónicas da Amélia!

Silvia Chueire disse...

Ah não, nem tudo ficou na mesma, muita coisa mudou aí, aqui e pelo mundo afora.
Gostei muito deste texto. Muito!
Orgulho-me de ainda sentir assim as coisas. E fico feliz que tantos de nós assim pensemos.

Abraço,

Silvia